Por Isaque Criscuolo, Luiz Gustavo Pacete, Sérgio Damasceno e Victória Navarro

Disrupção significa a interrupção do curso normal de um processo e, em geral, a palavra tem sido usada para definir o antes e o depois de uma indústria inteira. O termo está bastante associado a startups que inventaram um novo meio de fazer coisas antigas e que, na maior parte dos casos, consiste em encurtar a cadeia entre o fornecedor do produto/serviço e o consumidor. Em telecomunicações, talvez seja melhor usar a expressão “trajetória disruptiva”, que pressupõe um determinado espaço de tempo pelo qual o produto ou serviço evolui e se transforma em outra coisa ao longo desse trajeto. O setor, ao contrário de outras verticais da economia, não tem uma startup que virou do avesso as teles e tampouco competidores digitais que se sobrepuseram aos modelos tradicionais. Claro que players como o WhatsApp, que são capazes de fazer chamadas de voz sem usar as redes telefônicas, podem até concorrer em algum nível, mas não em larga escala. No entanto, a trajetória disruptiva das telecomunicações é ainda mais intensa do que a pura e simples disrupção de outros segmentos. Porque é contínua e, basicamente, cotidiana. Com a entrada da quinta geração (5G) no ano que vem, serão cinco gerações de redes em 20 anos, ou média de uma renovação a cada quatro anos.

Essa trajetória começa, contemporaneamente, com as privatizações em 1998, quando o Brasil conectado tinha 17 milhões de linhas fixas e 4,6 milhões de celulares, que ainda eram analógicos. A disrupção começaria a andar mais rápida justamente a partir desse marco: nos anos seguintes, a telefonia móvel migraria para sistemas digitais, então chamados de segunda geração (2G), que acrescentavam o uso de dados aos celulares e, de salto em salto, iriam para o 3G e 4G, além dos padrões intermediários como 2,5G, 3,5G e as atuais redes 4,5G. Nesse contexto, o País conectado tem 228 milhões de celulares e 34,7 milhões de linhas fixas, numa completa inversão do negócio das telecomunicações. Às vésperas do leilão da quinta geração (5G), as teles têm se reinventado. Nos Estados Unidos, se unem a grupos de mídia, que também passam por processos disruptivos. No Brasil, buscam na transformação digital a adequação para estes tempos de mudanças que se sucedem rapidamente. E preparam o bolso para os bilhões de reais que terão que gastar para investir nos leilões e nas redes 5G.

NOW

•REDES 3G, 4G E 4,5G
• BANDA LARGA VIA REDE MÓVEL, CABO E FIBRA ÓPTICA
• USO INTENSIVO DE DADOS, COM PREDOMINÂNCIA DE VÍDEOS
• MODELO DE CONCESSÃO, QUE OBRIGA AO CUMPRIMENTO DE METAS DE UNIVERSALIZAÇÃO (ORELHÕES, INSTALAÇÃO DE REDES EM LOCAIS DE DIFÍCIL ACESSO)
• PROIBIÇÃO DE PRODUZIR CONTEÚDO

NEXT

• REDES 5G
• ULTRA BANDA LARGA MÓVEL
• USO INTENSIVO DE DADOS, COM GAMES EM TEMPO REAL, VÍDEOS EM 4K E 8K, CONEXÃO DE IOT, ROBÓTICA
• MODELO DE AUTORIZAÇÃO, QUE TORNA MAIS FLEXÍVEIS AS REGRAS
• POSSIBILIDADE DE PRODUZIR E DISTRIBUIR CONTEÚDO

Quebra de modelo

A quebra do modelo de negócios das teles ocorreu sucessivamente conforme a evolução das redes: na medida em que o uso de linhas fixas decaía, juntamente com as chamadas de voz, havia um acréscimo das conexões móveis, com o crescente uso de dados. Segundo informações da Accenture, a banda larga fixa cresceu 25% nos últimos quatro anos e, no mesmo período, a voz fixa caiu 20%. Já a banda larga móvel representa 80% da receita das teles. Diretamente vinculados a essa disruptura, veículos de mídia como a TV paga (queda de 10% de assinantes em 2017 e previsão, da Accenture, de queda de 5% a 10% das receitas este ano) e TV aberta (previsão, também da Accenture, de queda de 5% a 10% este ano em receita publicitária) têm sido atingidos por players digitais como Google e Netflix justamente por causa da evolução das redes móveis. É por causa do desenvolvimento dos padrões, por exemplo, que o Google se disseminou e conquistou mais da metade das receitas publicitárias digitais globais nos últimos dois anos. E é por isso também que a Netflix avançou (sobre a banda larga fixa ou móvel) e tem compartilhado a receita com a TV paga e aberta. O poder dos dados (móveis e fixos) é tão alto que, nos Estados Unidos, os top 5 de download de dados — Netflix (com 19,1%), transferência de vídeos por streaming (16,5%), vídeos por MPEG (10%), Amazon Prime (7,7%) e YouTube (7,5%) — respondem por mais de 60% do tráfego na internet. “O quanto esse negócio é crítico? O mundo de dados é muito diferente do mundo de voz em termos de exigência de investimentos. Se você estiver falando ao telefone, pode falar à vontade. As redes continuarão aí. Quando começa a colocar dados, coloca pressão no consumo de redes. E quando esse dado passa a ser vídeo, pior ainda”, afirma o diretor-executivo da Accenture Strategy na América Latina, Ricardo Distler. O executivo diz que telecomunicações é um setor que tem sofrido disrupção pelos últimos 20 anos.

Distler: “No Brasil, temos crises tanto em telecomunicações quanto em mídia. Se olhar para os Estados Unidos, a resposta é uma aproximação entre esses setores”
Distler: “No Brasil, temos crises tanto em telecomunicações quanto em mídia. Se olhar para os Estados Unidos, a resposta é uma aproximação entre esses setores”

“E a base de usuários e as receitas, apesar do crescimento acelerado de dados, estão estabilizadas. O serviço de voz, quando agrega mais assinantes e fala mais, tem mais receita, a conta aumenta. Dados é o contrário. Com a concorrência, o pacote de dados é cada vez mais completo e o custo por megabit tem caído. É uma crise do modelo. Todos esses caras — Google, nova economia, Netflix, fintechs — navegam sobre uma rede de telecomunicações sem pagar nada por isso. E essa situação não é sustentável, já está claro”, diz. E essa quebra do modelo de negócios vem tanto da evolução tecnológica quanto da demanda do consumidor, que desenvolve hábitos justamente a partir da tecnologia disponível. “Claro que as operadoras não vão acabar porque, sem suas redes, acaba tudo. Mas o atual modelo não é mais viável. O que existe é uma inércia”, afirma Distler que aponta, no entanto, para um contra-ataque que prevê a união, justamente, de operadoras de telecomunicações com empresas de mídia. “Nos Estados Unidos, a AT&T comprou a Time Warner, a Comcast adquiriu a NBCUniversal e ambas estão reformatando seus pacotes e lançando seus serviços de streaming. A Verizon se associou à Disney e todos esses players vão concorrer com a Netflix. São teles e produtores de conteúdo que usarão a estrutura da rede de cabos que já é trafegada por serviços de streaming sem essa associação”, explica. O diretor da Accenture afirma que esta é uma nova realidade.

No Brasil, no entanto, o cenário é outro. “É muito difícil discutir o next no Brasil enquanto ainda se debate quanto é que tem que se investir em orelhão. Que é o que estávamos fazendo até ontem. A boa notícia é que foi aprovado o projeto de lei que permite que as teles saiam do modelo de concessão (em vigor desde a privatização, em 1998) e vão para o modelo de autorização, que dá mais flexibilidade. Isso é um passo importante porque você tira as amarras. Com a legislação que estava em vigor, se obrigava as teles a direcionar bilhões de investimentos em rede de cobre, em telefone público. Não tem nada a ver. Porque precisaremos de bilhões de reais para o 5G. Precisamos abandonar isso e partir para o next. Outro passo é o projeto de lei que está em tramitação, e pode ser aprovado, que acaba com a limitação de propriedade cruzada de telecomunicação e mídia. Que é necessário. Porque no Brasil temos problemas e crises tanto no lado de telecomunicações quanto no de mídia. E a resposta, se olhar para os EUA, é uma aproximação entre esses setores”, analisa.

Digitais com conteúdo

Ana Paula, da TIM: “A tecnologia permite melhor conhecimento do cliente, assertividade das mensagens e mensuração precisa dos resultados”
Ana Paula, da TIM: “A tecnologia permite melhor conhecimento do cliente, assertividade das mensagens e mensuração precisa dos resultados”

O que antes exigia trabalho manual, agora está, juntamente com profissionais qualificados, nas mãos da tecnologia.

A gestão de campanhas publicitárias, ou seja, a criação e a coordenação de ações, foi adaptada, com ferramentas high tech, ao consumidor transmídia e para a multicanalidade. Em relação à comunicação, o processo de tomada de decisão das operadoras passou a ser embasado em insights qualitativos e quantitativos de seus clientes. “Com a possibilidade de mensuração de resultados, realização de testes e ajustes rápidos, é possível ter mais eficiência e gerar aprendizados, que podem ser aplicados de forma transversal por toda a organização”, afirma o vice-presidente de business-to-consumer da Vivo, Marcio Fabbris.

Esse avanço mostra o esforço das teles de se transformar em empresas “mais digitais”, ou seja, de evoluírem, elas mesmas, para digital telcos, onde processos, cultura e pessoas se assemelhem mais aos pure players do que às antigas concessionárias de telefonia fixa. Para a Claro, segundo a diretora de marca e de comunicação, Ane Lopes, graças a esses passos, diariamente a companhia tem se aproximado do público-alvo e tomado decisões melhores de investimentos em mídia. Já a diretora de advertising e brand management da TIM, Ana Paula Castello Branco, destaca que, dentro dessa onda digital, não é permitido, por exemplo, deixar de lado o monitoramento de mídias sociais, responsáveis por desvendar os anseios, ansiedades e assuntos de interesse do público.

A Claro lançou, recentemente, o Claro Gaming, após levantamento sobre os principais interesses de jogadores, com o objetivo de reunir serviços de conectividade fixa e móvel e atendimento especializado aos fãs de eSports e melhorar a oferta de games. Outra iniciativa, que envolve inovação, é a união da operadora com a Chevrolet para o lançamento dos carros conectados Cruze e Onix. Depois de identificar o desejo dos clientes em viajar com a família com acesso à rede 4,5G, sem gastar a franquia do celular, a tele equipou os veículos com um chip virtual que possibilita o acesso aos serviços móveis, o envio de informações de telemetria para a montadora e a emissão de sinal WiFi para o carro.

A Oi apresentou, também recentemente, sua plataforma de inteligência artificial (IA), a Joice. E é patrocinadora master da Game XP, evento que, a exemplo da Claro, faz a conexão com o público de gamers. A TIM, em setembro, durante o festival de inovação HackTown, em Santa Rita do Sapucaí, apresentou a Casa TIM 5G, um espaço com diversos ambientes de soluções que serão acessíveis com a chegada da tecnologia de quinta geração. Para Ana Paula, quando o objetivo é se comunicar adequadamente com o consumidor, “a tecnologia permite melhor conhecimento do cliente, maior assertividade das mensagens, com customização por interesses e mensuração mais rápida e precisa de resultados”. A experiência foi amplificada via influenciadores digitais.

“A tecnologia instiga a busca por formas de pensar e de fazer marketing e comunicação. Com a possibilidade de mensuração de resultados, realização de testes e ajustes rápidos, é possível ter mais eficiência e gerar aprendizados que podem ser aplicados de forma transversal por toda a organização”, afirma Fabris, da Vivo.

A parceria entre plataformas dos mais variados segmentos e operadoras têm se tornado cada vez mais frequente. A união serve tanto como extensão para a distribuição e democratização de meios de pagamento quanto para atrair clientes em busca de produtos de qualidade, sem consumo de internet. Porém, a dificuldade em estabelecer esse tipo de parceria está em decidir um modelo de negócio capaz de cobrir o interesse de todos os envolvidos. É o que afirma a CCO da Deezer, Laurence  Miall-d’Août, que mantém parceria com a TIM desde 2015: “A cadeira de música é extensa. São gravadoras, editoras, plataformas e, então, operadoras. Não é um produto de prateleira e, quando incluímos mais um intermediário, a negociação se torna mais complexa, dependendo do grau de desconto que a tele quer para oferecer o produto aos seus consumidores a um preço atrativo ou de forma embutida a um plano, sem que o usuário pague por isso”.

A executiva ressalta que setor já não cresce mais em tamanho. “Há 230 milhões de linhas que, além de ser um número que está em queda, principalmente no pré-pago, tem uma base volátil de troca entre operadoras. A partir do momento em que a operadora oferece benefícios, o cliente começa a identificar valor na marca”, diz. Se todos estão conectados via celular, quanto mais valor agregado o cliente tiver dentro de um pacote de operadora, mais prático fica para ambos os parceiros.

A Claro, no início deste ano, anunciou parceria com a Netflix, a fim de trazer conveniência, praticidade e qualidade de áudio e vídeo aos clientes. “Atingimos o melhor dos dois mundos, com a oferta uma programação linear, por cabo, via Net, da qual somos donos, e filmes e séries de um serviço de streaming, com a Netflix. Tudo isso na mesma fatura e equipamento”, afirma a diretora de marca e de comunicação da empresa, Ane Lopes. A operadora tem o seu próprio aplicativo de música, o Claro Música. A plataforma pode ser acessada por qualquer pessoa, porém, os clientes da Claro podem usá-la sem consumir dados do pacote de internet.
A Oi, segundo a diretora de comunicação e marketing, Alessandra Issa, compreende as redes sociais como um fator determinante na escolha do cliente por um plano de celular. Todos os pacotes pré-pago da marca, independentemente do valor, dão acesso ao WhatsApp e Messenger, sem gasto de dados. Na plataforma online de vídeo, a Oi Play, é possível acessar conteúdo de parceiros como Discovery, ESPN, Fox, Globosat, HBO, Telecine, Turner e Viacom.

Reinvenção dos negócios

Enquanto o mercado americano se estrutura para recriar um modelo de telecomunicações, no Brasil as teles também buscam a reinvenção de seus negócios. Sob o aspecto da própria comunicação e publicidade, as teles têm usado análise de dados, inteligência artificial (IA) e formado parcerias estratégicas com empresas como Netflix e Deezer para adicionar valor às ofertas . Isso também faz parte da trajetória disruptiva das operadoras.

Ane Lopes, da Claro: “Temos o melhor dos dois mundos, com a oferta via cabo, pela Net, e por streaming, com a Netflix”
Ane Lopes, da Claro: “Temos o melhor dos dois mundos, com a oferta via cabo, pela Net, e por streaming, com a Netflix”

“Estamos trabalhando fortemente para que a inovação permeie toda a empresa, e não se restrinja a algumas áreas. Para isso, disseminamos o uso de modelos de trabalho ágeis. O Vivo Digital Labs tem grande importância neste contexto, dado que ajuda a fomentar a cultura digital na Vivo. O Labs consagrou a adoção do modelo de trabalho em squads pela Vivo, com o uso das metodologias Agile, Lean e abordagem design thinking, e, como resultado, os squads já são realidade em diferentes áreas da empresa”, diz o vice-presidente de dados e IA da Vivo, Luiz Eduardo Medici. Há alguns anos, a Vivo deu início a um processo de transformação digital que tem impacto nos serviços que oferece, nos canais de atendimento, na cultura e aplicação de tecnologias como big data e IA. “Inovação é o elemento-chave e por isso está no centro da estratégia da Vivo”, reforça Medici. Entre as iniciativas, está a criação da IA Aura, no ano passado. “O objetivo da Aura é orquestrar as interações com os clientes em todos os canais de contato, físicos, digitais e call center. Aumentar a assertividade da Aura é um trabalho constante e que teve um grande impulso com outra inovação: a criação do centro de treinamento de bots, em agosto do ano passado. Trata-se de uma nova área do call center, criada para aperfeiçoar ainda mais a qualidade do atendimento da Aura”, explica.

As operadoras evoluíram para ser um provedor aberto e diversificado de soluções para atender as mais diversas necessidades do cliente, seja de conteúdo — mídia, games —, soluções inteligentes — internet das coisas (IoT) para cidades, indústria, casa, comércio —, soluções de TIC — datacenter, segurança, cloud —, e serviços gerenciados, entre outras ofertas, afirma o diretor de digital da Oi, Ricardo Drumond Andrade. Investir em inovação deixa de ser algo isolado da estratégia e passa ser inerente à oferta de serviço e inovação para os consumidores. “Os investimentos em inovação são estratégicos para a companhia que desenvolveu uma série de iniciativas voltadas ao processo de transformação digital vivido pelo segmento”, ressalta.

Dentre os projetos estão a área digital, voltada para o desenvolvimento de soluções com foco na melhoria da experiência dos clientes digitais e que é responsável por três iniciativas: a Joice, IA criada para ajudar os clientes com temas relacionados a faturas e reparo remoto de internet, TV e telefone fixo; a Minha Oi, plataforma de relacionamento digital, com seis milhões de clientes cadastrados; e o técnico virtual, aplicativo que permite ao cliente identificar e resolver problemas dos serviços da empresa sem precisar falar com um atendente. “O Oito, hub de empreendedorismo e inovação, também é um pilar importante dentro da estratégia de inovação da companhia ao acelerar startups com atuação em diferentes verticais”, diz Andrade.

Receitas migratórias

Distler, da Accenture, reforça que os movimentos da Oi, Vivo e demais operadoras se espelham em um mundo cada vez mais conectado em que as receitas dos negócios massivos das operadoras migram para dados e banda larga móvel e fixa. “Nesse contexto de hiperconectividade, surgem os players digitais, com a oferta de aplicativos e serviços que transformam a vida das pessoas, disputam as receitas pelos serviços e sobrecarregam as redes de telecomunicações com expressivo crescimento no volume de tráfego de dados, alimentado, principalmente, por aplicações de vídeo”.

Mas Distler destaca três diferentes respostas que as operadoras têm dado sob esse aspecto. A primeira é com novos produtos e serviços, de maneira independente ou em parceria com os demais players do ecossistema digital. “São ofertas de valor adicionado que sejam relevantes ao consumidor conectado. Negócios emergentes relacionados a IoT e monetização de dados, e modelos que deverão ser viabilizados com a chegada do 5G. A segunda resposta vem da melhora na experiência do cliente, com a digitalização dos serviços, acompanhamento da jornada digital dos clientes, aplicação de tecnologias de IA e modelos estatísticos, que devem trazer mais eficiência e relevância em todos os pontos de contato com o cliente. A terceira resposta das teles se dá na transformação do modelo de operação e de custos com a utilização de cloud computing para virtualizar os ambientes de TI e redes para melhorar custos e eficiência das operações, digitalização das funções de back-office e automação de processos críticos.

Outra mudança importante para as teles é no mindset que permeia cultura, metodologia e processos. Lançar produtos e ofertas e colocar o usuário no centro da experiência e, ainda, não perder o timing do go-to-market força a criação de um modelo de trabalho mais ágil baseado em squads. Porém, o grande desafio das teles é a transição para o 5G. Para que isso ocorra da forma mais tranquila possível, as operadoras terão que ter em sua estrutura o suporte ou a capacidade da migração para a tecnologia. “Esse processo poderá durar de dois a seis anos, quando falamos de redes que são multivendor tendo como provedores players como Ericsson, Huawei e Nokia. Se, no processo de migração do 4G, esse requisito já estiver nas condições acordadas, a transição para o 5G poderá acontecer de forma mais sutil, mas nem sempre é o caso”, diz o head of finance & telco for O2O da In Loco, Rafael Rossi.

Todas essas mudanças têm como pano de fundo o padrão 5G que depende, primeiramente, dos leilões das frequências. Os quais, historicamente, têm sido arrecadatórios, ou seja, com custo bilionário para as teles. No 4G, o governo arrecadou R$ 2,5 bilhões. No 3G, foram mais de R$ 5 bilhões. Para a quinta geração, espera-se que o governo não tenha o ímpeto arrecadatório dos anteriores, e sim privilegie a futura infraestrutura na qual as operadoras terão que, obrigatoriamente, investir e muito (leia entrevista com o CEO da Ericsson à pág.60). “O 5G será uma transformação grande. E um ganho se o governo não cobrar uma fortuna por essas frequências. Porque isso é benéfico para a economia do País em termos de produtividade e eficiência. Se houver o viés arrecadatório nos leilões, já começa errado. No Japão, por exemplo, as regras para o leilão do 5G baseiam-se em bidding contest: o interessado apresenta seu projeto e o governo avalia qual é a melhor oferta”, explica Distler.

Aquecimento da economia

Para a macroeconomia, telecomunicações é um dos setores que tem a vocação de acelerar o mercado, diz a economista da Semear Consultoria, Celina Ramalho. “É um fator de aquecimento da economia e tem efeito multiplicador de aceleração do ciclo econômico. Porque comunicação é uma pauta de infraestrutura fundamental. O 5G gera formação bruta de capital fixo (FBCF), que é a ampliação da capacidade produtiva futura de uma economia por meio de investimentos correntes em bens produzidos factíveis de utilização repetida e contínua em outros processos produtivos. E vai requerer um novo modelo de negócios para as teles, conforme as necessidades da sociedade. Porque a prestação de serviços se torna disruptiva. Essas empresas, inclusive, já sofrem uma crise bastante forte por conta dessa disrupção e, por causa da inovação, têm que se reinventar”, analisa a economista. Para Celina, a associação de teles com empresas de mídia, como nos Estados Unidos, faz sentido.

“A parceria é a saída. Para a Globo, por exemplo, talvez num segundo momento, faça sentido formar parceria com as teles porque a informação é a mesma matéria-prima de ambas”, diz. Há outro aspecto, que se refere às comunicações globais e que tem a ver com transações comerciais internacionais que, se antes se concentravam na Europa e Estados Unidos, agora têm grande afinidade com mercados da Ásia, principalmente a China, aponta a economista. “Por isso mesmo, o Brasil tem que estar integrado ao mercado mundial”. Celina aponta para o fato de que a FBCF vinha numa queda histórica desde 2013 e agora registrou 1,4% de crescimento. “Estão sendo finalizados alguns resultados macroeconômicos efetivos que sinalizam recuperação da economia, num cenário de juros baixos e investimentos para novas tecnologias de telecomunicações, e essa aceleração vai aparecer numa fatia positiva do PIB”, antecipa.

Independentemente do formato que o governo adotará, a previsão é que o leilão ocorra, no máximo, até o final do ano que vem. O Brasil precisava “limpar” alguns obstáculos, como a figura das concessionárias (que serão autorizatárias). No modelo de concessão, as teles são obrigadas a cumprir metas de universalização, como a instalação e manutenção dos orelhões que estão em completo desuso pela população. Também são obrigadas a instalar redes em localidades de difícil acesso. Essas obrigações caem com o modelo de autorização. Outro obstáculo é a proibição da propriedade cruzada que faz com que a AT&T seja impedida de entrar no País. Pela lei atual, é vetada a participação acionária entre produtores e programadores. Quando a AT&T adquiriu a Time Warner nos EUA, e depois criou a Warner Media, sua atuação ficou complicada no Brasil, já que a própria Warner Media é acionista da DirectTV, que controla a Sky (programadora) e também da Turner e HBO (produtoras). Essa sobreposição que, em tese, permitiria a entrada da AT&T no País, não é permitida pela legislação brasileira. A expectativa é que o projeto de lei que acaba com a proibição, já em tramitação, seja aprovado. Com isso, o caminho ficaria livre não só para a AT&T, mas também para as teles brasileiras que, teoricamente, poderão adquirir ou se associar a produtores de conteúdo.

Competição global

O cenário atual envolve um desafio diante de grandes plataformas, que distribuem conteúdo através da internet, se relacionam diretamente com o consumidor e geram competição em escala global, avalia o CMO da Claro, Marcio Carvalho. “Entendemos que, nesse novo mundo, nosso papel é realmente ter as melhores parcerias, agregar conteúdo de diversas fontes e garantir ofertas atrativas para o consumidor. Afinal, a distribuição de conteúdo está cada vez mais digital”, diz. Num momento de revisão de leis que podem reconfigurar o setor, o mais importante é pensar na experiência do consumidor que está mais conectado e exigente. “É preciso tornar a experiência do consumidor cada vez mais completa. Se tivermos a capacidade de entender que a TV está indo para a nuvem e tornarmos essa experiência cada vez mais personalizada, teremos uma vantagem”, exemplifica. O CMO afirma que o mais estratégico, no momento, é que cada player esteja focado no que faz melhor. Empresas fortes e gigantes como Netflix, Apple e Amazon, por exemplo, têm mais recursos para desenvolver conteúdo, ao passo que operadoras dominam o ecossistema de distribuição e acesso ao consumidor. “Existe um modelo que pode permitir coisas diferentes se for aprovado, mas acredito muito mais em parcerias estratégicas que possam diferenciar conteúdo e chegar nas melhores plataformas. Os modelos que conseguirem juntar esses dois elementos vão ser um diferencial”, pontua.

Resolvidas as questões regulatórias, o leilão das frequências 5G entraria numa zona “limpa” e aí é que se situa o road map de cada operadora do que fazer com a quinta geração. No leilão, serão oferecidas faixas de frequências alta, baixa e média e cada uma se presta a diferentes aplicações. A frequência alta tem alta velocidade, capaz de fornecer ultra banda larga, mídia imersiva e holográfica, por exemplo, com potencial para vídeos em 4K e 8K. A frequência baixa, que tem baixíssima latência, permite a oferta de IoT, automação industrial e robótica. Finalmente, a frequência média é a que dá capacidade para experiências de games (e acaba com a necessidade da fibra óptica) que poderão ser jogados na rua, como se fossem um Pokémon Go elevado à potência mais realista possível. “Obviamente, a operadora precisa entender para que vai usar o 5G e, portanto, que tipo de frequências terá. Sem contar que o Brasil ainda investe bilhões anuais nas redes 4G e 4,5G”, lembra Distler,  da Accenture.

Sobre o impacto do 5G, Andrade, da Oi, acredita que o padrão iniciará uma nova era na comunicação móvel e mudará a forma como as pessoas se conectarão no mundo. “No curto prazo, o 5G será utilizado para levar a conectividade wireless de ultra banda larga e de baixa latência para o usuário, o que permitirá, por exemplo, o acesso a conteúdo de vídeo em 4K e 8K, games em tempo real e aplicações de realidade virtual e aumentada. Já no longo prazo, teremos a capilarização das redes 5G, o edge computing (computação de borda, que vem a ser uma rede de microdatacenters que processam dados críticos de forma local, ou na ‘borda’ da rede, e não nas nuvens — clouding computing) estará cada vez mais próximo dos usuários e terminais e a IA em tempo real será aplicada em quase todos os processos de automação e interação das pessoas com as coisas”, resume. Definitivamente, a trajetória disruptiva das telecomunicações não tem data para acabar.

O impacto do 5G

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No Brasil, o leilão das faixas para 5G deve acontecer no ano que vem. Testes com operadoras e fabricantes têm apresentado projetos que preveem soluções inteligentes para iluminação, rastreamento de veículos e projetos para cidades inteligentes e indústria 4.0. São apenas algumas aplicações possíveis da quinta geração de telefonia móvel. O 5G não é somente uma evolução de geração de redes, e sim uma mudança de todo o ecossistema móvel. Para indicar as tendências com essa evolução, Meio & Mensagem convidou Juelinton Silveira, diretor de estratégia, negócios, tecnologia e inovação da Huawei.

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