A chegada do ARKit, da Apple, será considerada um marco na história, segundo o atual CEO da companhia, Tim Cook – um entusiasta da tecnologia de realidade aumentada (RA). Lançada no ano passado, a inovação citada pelo executivo permite que os desenvolvedores de aplicativos criem experiências ainda melhores de RA para iPhones e iPads que tenham o iOS11. A realidade aumentada se junta a outras, como a virtual (RV) e a mista (RM), para conquistar um espaço cada vez maior em diferentes mercados. As aplicações dessas tecnologias imersivas vão desde games, passando por experiências de marcas, pelo treinamento de atletas olímpicos, por fábricas de montadora de carros, pela capacitação de profissionais de saúde, até a escolha de uma roupa ou de um imóvel. Segundo a IDC, o total gasto em produtos e serviços de realidade virtual e aumentada irá saltar de US$ 9,1 bilhões em 2017 para cerca de US$ 160 bilhões em 2021.
Para as marcas, essas são importantes ferramentas de criação de empatia, emoção e proximidade com o público. Mais do que um espectador, o usuário final se sente parte da história, o que fortalece os laços com as empresas. O uso de realidades imersivas como estratégia de marketing tem aumentado no Brasil, mas ainda caminha de forma lenta. Uma das primeiras iniciativas da área se deu em 2014, quando a Coca-Cola realizou uma ação com realidade virtual na Copa do Mundo do Brasil. Nos últimos quatro anos, outras empresas, como as do setor automotivo e imobiliário, investiram nesse tipo de tecnologia para gerar experiências de marketing interativas e próximas ao consumidor.
“Estamos em um estágio inicial de como podemos trazer isso para a realidade das marcas”, diz a sócia- fundadora da VZLab, Eliza Flores. A VZLab é um desdobramento da Vetor Zero com foco em experiências imersivas. Ela afirma que há aplicações cujos benefícios são muito claros, como na área de imóveis. A construtora Cyrela, por exemplo, adotou a realidade virtual em cerca de vinte empreendimentos e aplica a tecnologia para proporcionar ações tanto no momento da compra quanto na expectativa da conclusão de uma obra. Segundo a empresa, o emprego da RV permite melhorar a qualidade da experiência do cliente, já que, com a tecnologia, é possível enxergar os mínimos detalhes do imóvel. A ferramenta também é uma aliada de vendas porque possibilita que o consumidor vivencie o empreendimento mesmo que não esteja visitando o ponto de contato com o público. Outras companhias como Gafisa e Tecnisa também utilizam a RV em suas estratégias de relacionamento com o cliente.
“Eles (os clientes) entenderam que existe uma forma de reutilizar o que foi desenvolvido e que vale a pena porque chama atenção e permite uma comunicação muito mais lúdica e divertida. É a marca trazendo entretenimento para as pessoas”
Eliza Flores, sóciafundadora da VZLa
Para o diretor criativo da VZLab, Luiz Evandro, a percepção de valor que uma iniciativa de realidade imersiva traz ainda está em desenvolvimento no Brasil, mas já começa a se transformar. Ele explica que as marcas querem retorno no investimento – o que está ligado, de maneira geral, à quantidade de pessoas impactadas – e essas tecnologias não são de massa. Porém, a percepção de valor começa a mudar porque ao realizarem uma ação de realidade imersiva, as companhias são associadas à inovação e às tecnologias emergentes. “Isso agrega à marca um selo de que ela pensa à frente”, diz Evandro, ao acrescentar que as verbas destinadas para as ações crescem em consequência disso. “As empresas estão dispostas a pagar mais porque, mesmo que o retorno não seja em audiência contada, o valor volta em PR (Public Relations), em reputação, e agrega inovação à imagem da marca”, diz o diretor de criação.
Evolução dos dispositivos
Encabeçadas pela realidade virtual, as tecnologias imersivas ganharam espaço nos últimos seis anos a partir do desenvolvimento dos óculos de RV para jogos. O Oculus Rift, por exemplo, recebeu para a sua produção um aporte por meio de financiamento coletivo em meados de 2012. Dois anos depois, o Facebook comprou a companhia fabricante do dispositivo por cerca de US$ 2 bilhões. Foi em 2016 que os dispositivos de RV ganharam o mercado, chegando ao consumidor final. Google, HTC, Samsung, Sony e Microsoft são alguns outros players desse segmento ainda incipiente – no ano passado as vendas dos óculos somaram cerca de 10 milhões de unidades, mas a estimativa é que esse número chegue perto de 100 milhões em 2021.
Hoje, a velocidade da tecnologia é grande, resultando no lançamento de equipamentos com custos cada vez menores e com mais potência. Na semana passada, a empresa de Mark Zuckerberg apresentou seus novos óculos, o Oculus Go, que têm um preço mais acessível (US$ 199) e não precisam ser conectados a um computador ou smartphone. Na ocasião, Zuckerberg disse que o Oculus Go era o jeito mais fácil de entrar na realidade virtual. Porém, se de um lado a RV possibilita uma experiência imersiva e empática, de outro seu alcance ainda é baixo em função da necessidade dos dispositivos.
Uma das estratégias adotadas por marcas que utilizam a tecnologia como marketing é pulverizar a iniciativa, com vídeos e desdobramento da experiência, em outros canais. Em 2016, a Volkswagen promoveu no Salão Internacional do Automóvel de São Paulo ações de realidade virtual, aumentada e mista, para cerca de 20 mil pessoas, que poderiam retirar uma foto da participação na iniciativa em um hotsite. O retorno foi de 94%, segundo Eliza Flores, da vzlab. Ela explica que existe uma preocupação em entregar um conteúdo que pode ser compartilhado, ou derivações da experiência, para tudo que é feito na VZLab.
A empresa, aliás, vem desenvolvendo projetos para o setor automotivo, um dos mercados que já aderiu às tecnologias imersivas. Para a Volkswagen, por exemplo, a VZLab criou iniciativas para o Salão do Automóvel de 2016, e também para o lançamento do Polo e do Virtus. Parte das ações realizadas para a apresentação dos dois veículos será usada no próximo Salão, que ocorre no segundo semestre do ano. “Eles entenderam que existe uma forma de reutilizar o que foi desenvolvido e que vale a pena porque chama atenção e permite uma comunicação muito mais lúdica e divertida. É a marca trazendo entretenimento para as pessoas”, comenta Eliza Flores.
O Salão do Automóvel, aliás, tem se mostrado uma vitrine para o emprego de realidades imersivas. Na edição passada em São Paulo, a Toyota realizou uma ação de crash test em RV. Os visitantes vivenciaram uma experiência no lugar do boneco do teste de colisão para perceber a importância de itens de segurança como o air bag. Para o diretor de planejamento da aktuellmix, Gabriel Boaventura, o mercado de live marketing pode ajudar a dar acesso às tecnologias porque o número de pessoas que já experimentaram esse tipo de iniciativa ainda é baixo. “Combinar ferramentas pode ser uma forma de deixar isso mais democrático”, comenta o diretor, ao acrescentar que, para o próximo Salão, a agência está levando para as concorrências novas formas de interagir com a RV e também aposta forte na RA. A agência foi a responsável pela ativação da Toyota em 2016.
Além de levar a realidade virtual para os eventos, a Chevrolet, marca da General Motors, protagonizou a primeira experiência de VR do mercado brasileiro esportivo, em parceria com a Dentsu Aegis Network (DAN) e a Globo. A plataforma digital “Torcedor 360°”, hospedada no portal do Globo Esporte, trouxe o conteúdo de jogos de futebol do Campeonato Brasileiro 2017 em formato de vídeos 360°de RV. Os lances das partidas puderam ser vistos com óculos ou também sem o equipamento, via celulares, tablets ou notebooks. A iniciativa, que foi parte do lançamento do SUV Equinox, ajudou a democratizar o acesso dos brasileiros à experiência de realidade virtual. Pesquisas de opinião realizadas após a ação mostraram que, entre o grupo que viu a iniciativa e o que não, houve uma diferença de 40 pontos percentuais em percepção de inovação e tecnologia para o carro, segundo o diretor de marketing digital da General Motors, Bruno Campos. “Quem sair na frente flertando com essa tecnologia vai ter vantagem porque ela já está acontecendo”, diz o executivo.
“Estamos em fase de pré-projeto (para o uso de realidade aumentada nas concessionárias da General Motors), já há estudos tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Isso vai fazer parte da nossa estratégia futura”
Bruno Campos, diretor de marketing digital da General Motors
O diretor revela que o próximo passo da General Motors é usar realidade aumentada nas concessionárias da empresa. “Queremos melhorar a experiência do consumidor na loja”, afirma Campos, complementando que a tecnologia irá auxiliar tanto o vendedor quanto o cliente. Ele cita como exemplo de aplicação a simulação de quantidade de bagagem possível em um porta-malas. “Estamos em fase de pré-projeto, já há estudos tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Isso vai fazer parte da nossa estratégia futura”, comenta o diretor de marketing digital.
Diferentemente da realidade virtual, a aumentada não necessita de óculos, o que a torna mais acessível. A tecnologia que une o mundo real a elementos virtuais foi evidenciada em 2016 com a febre do jogo Pokémon Go. “De maneira geral, a realidade aumentada tem sido empregada mais para aplicações de negócios porque ela já é muito pronta para o dia a dia”, afirma o diretor da YDreams, Marcos Alves. O profissional também é presidente do XRBR, um hub criado no final de 2017 para organizar, unir e estimular o mercado de realidades imersivas no Brasil (veja box).
De acordo com o Chief Growth Officer (CGO) da startup Ideas Farm, André Chaves, o investimento de grandes corporações como Google, Apple e Amazon, irá ajudar a democratizar a realidade aumentada. “O Google, com o ARCore, e a Apple, com o ARKit, colocaram a tecnologia nos seus mapas estratégicos”, diz o executivo, ao acrescentar que a chegada do 5G irá acelerar esse processo. O CGO acredita que a realidade virtual ganhará espaço nas áreas de treinamento e Recursos Humanos, mas a grande aposta da Ideas Farm, que é uma fábrica de software dedicada à criação de vivências imersivas, é na RA. “Hoje, o celular é a extensão do corpo e isso é um gatilho para a tecnologia”, comenta.
A realidade mista, por sua vez, torna a experiência da RA mais rica e conectada porque reconhece a topologia do ambiente por meio de um sensor que mapeia o espaço. “Essa tecnologia será observada em entretenimento, treinamento e aplicações que usam uma interação em tempo real com o ambiente físico para promover algum tipo de informação”, diz Marcos Alves. O dispositivo HoloLens, da Microsoft, por exemplo, tem como base a realidade mista e mistura hologramas com o mundo físico. Mais uma vez, as montadoras saíram na frente e aplicaram a tecnologia em suas ações no último salão de Tóquio, segundo Gabriel Boaventura, da aktuellmix, que esteve no evento.
Produção de conteúdo
Eliza Flores afirma que, no universo da comunicação, um dos desafios é descolar as marcas da fixação pela tecnologia e pelos dispositivos, como os óculos de RV, por exemplo, para focar a atenção no que é possível realizar com ele, ou seja, contar uma história que funcione. “Logo entendemos que os devices vêm e vão de uma maneira muito rápida e não nos fixamos muito nisso. Uma de nossas batalhas é falar para o cliente que não há problemas em usar os mesmos óculos de um ano para o outro.”, comenta. O mesmo é observado na MediaMonks, produtora holandesa com escritório em São Paulo. “Vemos que a tecnologia está vindo na frente, quando deveria ocorrer o contrário, o conteúdo é que precisa ser o protagonista”, diz o Creative Director Physical (CDP) da MediaMonks, Alex Fittipaldi.
Outro desafio enfrentado pelos produtores é justamente a criação de conteúdo. De acordo com Luiz Evandro, da VZLab, a tecnologia avança rápido, mas a linguagem vai mais devagar. O diretor explica que normalmente, na versão inicial de uma inovação, quem conta as histórias são os primeiros a adotarem, ou seja, os conhecedores da tecnologia. Os que dominam a forma de produzir o conteúdo ingressam mais tarde, na segunda ou terceira onda. Isso, aliás, é o que tem acontecido neste momento com a RV. Cineastas como Darren Aronofsky, Steven Soderberg e até mesmo Steven Spielberg, com o seu mais recente filme “Jogador N°1”, começam a abraçar a realidade virtual. “Quem antes só contava histórias através de telas flats, quadradas ou retangulares, agora está ganhando o canvas 360°. Com a chegada dos grandes, a tendência é a da linguagem evoluir e se tornar mais emocionante e memorável”, afirma.
Um dos cases mais premiados da VZLab foi para a área de saúde – setor que vem adotando a realidade virtual de forma mais intensa, especialmente para treinamento dos profissionais e bem-estar dos pacientes. A ação, realizada com a Ogilvy Brasil para o laboratório Hermes Pardini, teve como objetivo desenvolver um ambiente menos assustador para as crianças no momento da vacinação. Enquanto recebia a dose, o público usava óculos de RV que mostrava um universo lúdico no qual os personagens avisavam à criança que iriam lhe transmitir um superpoder, no caso, a vacina. “Ainda estamos engatinhando, mas já vemos no mercado alguns trabalhos muito bem feitos, produzidos completamente aqui no Brasil, e que são avaliados positivamente lá fora nos principais eventos”, afirma Fittipaldi, da MediaMonks. Como exemplo da produtora, ele cita um projeto de realidade aumentada realizado para a GE Brasil.
Hub organiza e une o setor
No final do ano passado, um grupo de profissionais e empresas que atua nas áreas de realidade virtual, aumentada e mista se uniu para fortalecer o mercado. O hub XRBR nasceu a partir da necessidade de criar uma unidade para os integrantes de uma indústria que, apesar de atuar há alguns anos, ainda é extremamente nova. O primeiro passo foi um mapeamento no Brasil, o qual identificou, até o momento, cerca de 80 empresas que trabalham no setor.
Marcos Alves, presidente do XRBR, explica que três principais indústrias estão associadas ao segmento: a de hardware, a de software e a de produção de conteúdo. “Elas já existiam há algum tempo, mas estavam atuando de forma isoladas”, diz Alves, que também é diretor da YDreams Global. Dentre os objetivos do hub estão a organização do mercado para ampliar seu amadurecimento; o fomento dos negócios no Brasil e no exterior; a articulação de políticas e incentivos perante o governo; o estímulo para formação e capacitação de profissionais da área e o desenvolvimento de estudos e pesquisas.
“O XRBR se encontrou quatro vezes para entender como pode se articular de todas as formas possíveis, seja comercialmente – para trocar capacidades, trabalhos e oportunidade –, seja para se organizar como grupo e se manifestar como parte da economia criativa”, diz a sócia-fundadora do VZLab, Eliza Flores. Além dela, as empresas e profissionais da Arvore, Beenoculus, Cafundó, Cruel Byte, Dot Motion Studio, Esconderijo Criativo, FeelXR, Lab657, Imersys, Junglebee, SnowCrash, Virtual Hyper, VR Glass e YDreams Global lideraram o movimento para a criação do hub.
A grande ambição é a de fazer aqui o que já foi realizado em outros locais que são polos das tecnologias imersivas. “Vancouver, no Canadá, por exemplo tem uma política pública desenhada para ser o melhor lugar do mundo para se abrir um negócio de realidade virtual e aumentada. De dois anos para cá o número de empresas saltou de 16 para 200”, conta Alves, ao acrescentar que o grupo já se reuniu com o Ministério da Cultura, Agência Nacional do Cinema (Ancine) e Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. No segundo semestre, o hub planeja um evento para apresentar as tecnologias ao grande público e também aos potenciais investidores.