Por: Luiz Gustavo Pacete

FERNANDO TELES Country manager da Visa no Brasil desde 2016, é formado em engenharia de produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e com MBA em finanças pelo IBMEC. Foi diretor do Itaú de 2004 a 2015, onde passou por várias áreas, até assumir, em janeiro de 2015, a divisão de consumer bank do Banco Original
FERNANDO TELES Country manager da Visa no Brasil desde 2016, é formado em engenharia de produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e com MBA em finanças pelo IBMEC. Foi diretor do Itaú
de 2004 a 2015, onde passou por várias áreas, até assumir, em janeiro de 2015, a divisão de consumer bank do Banco Original

Quando chegou à Visa, em 2016, egresso dos bancos Original e Itaú, Fernando Teles, country manager da companhia no Brasil, estava determinado a estruturar uma nova forma para a empresa se organizar. O momento que se desenhava, com mudança de comportamento do consumidor e o surgimento de novos players e modelos de negócios no setor financeiro, reforçava a urgência dessa missão. Teles e seus líderes recorreram à consultoria de Salim Ismail, um dos fundadores da Singularity University, que ajudou a empresa a redefinir sua forma de trabalhar, adicionando o uso de squads e a aplicação de metodologias ágeis. O executivo reforça que, entre os aprendizados dessa troca, estão a compreensão de que informação deve ser compartilhada e que todas as áreas, do marketing ao RH, devem estar envolvidas no negócio. Outro aprendizado deste processo é a cocriação e a visão de ecossistema que justifica, inclusive, a campanha conjunta entre Visa e Mastercard, lançada em setembro, para promover a utilização da tecnologia de pagamento no transporte público. “Fala-se tanto em inovação como se fosse glamour, mas o preço da inovação é trabalho, muito trabalho.”

Meio & Mensagem — O que mudou, nos últimos anos, em termos de comportamento do consumidor e tecnologia, que contribuiu para alterar a dinâmica do setor financeiro?

Fernando Teles — Não falo de tecnologia nem de inovação para comentar todas as mudanças que estamos vivendo. Vejo que tudo partiu do consumidor, que está cada vez mais empoderado. Se olharmos para vinte anos atrás, você tinha uma dinâmica em que as coisas aconteciam do jeito que as empresas queriam e o consumidor ia a reboque. As empresas faziam, ofereciam e os consumidores aceitavam. Se eles não gostassem do produto, não tinham muita alternativa. Mas, com esse empoderamento, descobriu que tinha o poder de influenciar as empresas com suas demandas. Isso vale para qualquer lógica de consumo, não somente no setor financeiro. Lembro que, quando estava no Itaú, em 2010, eles lançaram os dez mandamentos e o primeiro era “todos pelo cliente”. Hoje, está muito claro o papel do consumidor neste contexto.

M&M — Aumentou o número de fintechs que oferecem serviços financeiros. Ainda existe espaço para mais players?

Teles — Tem dois movimentos ocorrendo ao mesmo tempo. O primeiro é o barateamento da tecnologia. Para muitas startups, hoje, é fácil ter a pretensão de ser uma fintech. O outro é da base de clientes dessas empresas que, em muitos casos, não estão no segmento financeiro, mas, dado o volume de consumidores, passam a ter facilidade de oferecer esse tipo de serviço. Não dá para dizer quem terá sucesso ou não, mas, que existem muitas oportunidades nesses movimentos, está claro. O grande desafio que vejo no caso de muitos fundadores de fintechs é que eles não devem se apaixonar pela ideia. Vai, trabalha, testa seu modelo, mas saiba a hora de tirar o time de campo se não der
certo. E, o mais importante, é preciso ter uma proposta de
valor muito clara.

M&M — As fintechs são colocadas, em muitos casos, como um contraponto às grandes empresas financeiras. Isso é uma realidade?

Teles — É importante entender o papel de uma fintech. Geralmente, surge para resolver uma dor específica. Preço, qualidade de atendimento, customização de produto, entre outros. Depois desse estágio, vai criando relacionamento, ampliando a base e passando a ter ofertas mais amplas. As grandes empresas, nesse contexto, se viram, em um instante, forçadas a reagir e a maioria foi se adaptando. E esse movimento reforçou ainda mais a necessidade de olhar para o consumidor. O que antes era só discurso, precisou virar algo na prática. Gosto de ilustrar esse exemplo com a XP, que começou oferecendo educação financeira, depois passou a comercializar produtos, tirou a taxa de administração e mudou o mercado de investimentos. Mas é importante enxergar que as fintechs são complementares às grandes empresas financeiras.

M&M — No caso da Visa, como funciona essa complementariedade?

Teles — Quando olho para fintechs, não vejo como concorrentes. Não posso olhar como concorrentes e fechar a porta. Meu desafio é entender a melhor maneira de trazer novos participantes para dentro desse ecossistema. A Visa tem, globalmente, mais de 3,5 bilhões de clientes e um dos nossos objetivos é ser um enable de tecnologia para o ecossistema. Nesse sentido, as fintechs são fundamentais para nós. Muitas vezes, você tem uma fintech que pode ajudar em processos, geolocalização, score, que enriquece cadastro, validação de biometria e outros serviços. Na hora que a Visa junta essas partes, você coloca a solução de muitas delas em contato com nossos clientes. Algumas delas também se tornam clientes. Ocorreu isso com o Banco Neon, por exemplo, que nos ajudou a exportar uma solução de autenticação que passou a ser usada por vários clientes da Visa no mundo.

M&M — Segurança de dados tornou-se o tema da vez, inclusive com a LGPD, que passa a valer no ano que vem no Brasil. Como isso se reflete no setor financeiro?

Teles — Como uma empresa de tecnologia e em rede — atualmente, são cerca de 16 mil instituições e 45 milhões de clientes —, a Visa tem como pilar a segurança da informação. Imagine que temos 500 milhões de transações diárias e isso impacta em um sistema complexo de segurança. Nos últimos dez anos, nossos clientes vêm implantando medidas e padrões neste sentido. A lei será muito positiva porque começa a equilibrar a forma como as empresas passam a lidar com a segurança da informação. E isso me traz responsabilidades porque sou demandado pelos reguladores. Logo, todo mundo que está debaixo das minhas regras precisa se enquadrar e isso envolve homologações, testes e uma série de regras.

M&M — Como todas essas mudanças impactam o processo de transformação da Visa e quais são os aprendizados desde que você chegou, em 2016?

Teles — Alguns pontos importantes. O CEO não pode ter mais aquela postura “está acontecendo algo de inovação”. Ele precisa estar envolvido. Ele faz parte daquele processo. Mas, além disso, existe outro mito em relação a esse assunto. Não existe uma área de inovação, três pessoas responsáveis pela inovação da Visa. Os 160 funcionários da empresa são pessoas de inovação. Claro que algumas pessoas precisam liderar esse processo, mas precisa desse envolvimento. Se a liderança não está envolvida, as pessoas não veem o sentido de participar e cocriar. Tem outro desafio envolvido que é o compartilhamento de informações. O líder não pode mais centralizar informações. Quanto mais reparte com o coletivo, mas beneficia sua própria gestão. Isso faz com que todos se vejam no direito de participar e contribuir. Quanto mais se divide a informação, mais a equipe vai performar e melhor será para todos.

M&M — Quais os reflexos dessas mudanças de paradigmas como empresa também na maneira de envolver o marketing?

Teles — É importante deixar claro que o marketing faz parte de tudo isso. Não existe mais aquela mentalidade de que, ao chegar no fim do projeto, agora vamos fazer um briefing porque tem que comunicar. Não. O marketing agora está envolvido no desenvolvimento de produto. Tudo deve nascer junto. Quando o marketing participa desse processo, provoca, constrói e ajuda na própria criação do produto e vice-versa. Tem outra questão que é o envolvimento no negócio. Quando você desenha um plano de mídia que nasceu junto com o desenvolvimento do negócio, a chance de sucesso é muito maior. Às vezes, nesse desenvolvimento em conjunto, você acaba fazendo um  melhor enquadramento  do seu orçamento e estratégias no marketing.

“Quando olho para fintechs, não vejo como concorrentes. Não posso fechar a porta. Meu desafio é entender a melhor maneira de trazer novos participantes para dentro desse ecossistema”

M&M — E como esse alinhamento e envolvimento do marketing nos negócios altera a essência do que é comunicado?

Teles — Duas coisas. Primeiro, trago uma visão de negócio muito mais genuína, o que é convertido em performance. O que ajuda na mensuração do resultado. Fica muito claro o objetivo a ser atingido e a própria comunicação em si passa a estar alinhada à realidade do consumidor. O segundo ponto é na autonomia que você passa a ter. A partir do momento que você tem propriedade e envolvimento no negócio, você ganha força, por exemplo, para não replicar uma campanha global. Em 2018, a Visa lançou uma campanha global que contemplava o Brasil. Mas, com base no envolvimento do marketing com o negócio, identificamos que aquela campanha não falava com a realidade e o momento do Brasil. O marketing propôs uma campanha diferente. Para fazer isso, você precisa estar embasado. Ou seja, somente a propriedade do marketing no negócio faz com que casos como esses sejam possíveis.

M&M — E o olhar inverso? Como o marketing da Visa no Brasil ganha maior influência global na medida em que se envolve mais com o negócio e a inovação?

Teles — Já tivemos vários casos nesse sentido. Tivemos campanhas como a Visa Causas e o Vai de Visa que, conceitualmente, se tornaram globais. São modelos que criamos no Brasil e que passaram a ser oferecidos no mundo todo. Acredito que isso é possível porque o marketing passou a ter um entendimento maior desse consumidor que falávamos no início da conversa.

M&M — A Visa tem investido em formatos de patrocínio como é o caso da Fórmula E e os eSports. Qual é a estratégia por trás desses movimentos?

Teles — O patrocínio acompanha essa jornada de consumo e de comportamento que estamos falando. No caso da Fórmula E, por exemplo, é uma resposta a um consumidor que vem falando de sustentabilidade e um mundo mais limpo. Isso está no papel das empresas de serem responsáveis por esse tema e no reforço da importância de um futuro sustentável para a Visa. No caso dos eSports, que é uma situação bem diferente, existe o desafio de dialogar com um novo público, com uma galera que está aí. Para qualquer um desses casos, a resposta é: o mundo mudou, o consumidor mudou, e precisamos ter coerência com essas mudanças também nos projetos que apoiamos.

M&M — O projeto Cidades do Futuro, que consiste em modernizar os meios de pagamento, exige um esforço de articulação da Visa com vários players, inclusive o poder público. Qual é o desafio?

Teles — Esse projeto nasceu de um estudo que fizemos em todo o mundo para identificar como levar modernização e digitalização para as cidades. Ele ranqueou as cidades em nível de maturidade digital e aceitação de meios de pagamento identificando as menos preparadas até a mais madura. Mapeamos os municípios no Brasil e iniciamos o projeto com Campina Grande, Belém e Maringá. Regiões com características distintas, problemas específicos. E, a partir daí, iniciamos essa articulação. O maior aprendizado, até agora, é que o pagamento tem uma conexão direta com o conceito de cidades inteligentes e reflete em uma questão de bem-estar. Por exemplo, quando você tem um caso de explosão de uma agência ou caixa eletrônico, isso impacta na economia daquela cidade, na medida em que tira o dinheiro em circulação e prejudica todos os elos de uma economia. O impacto de um projeto como esse remete ao conceito de fortalecer e resguardar um ecossistema.

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