Por: Renato Rogenski

Pablo Di Si era presidente e CEO da Volkswagen Argentina quando assumiu, há dois anos, o comando da empresa no Brasil e na América Latina. Nesse período, já estava engatada na operação brasileira a primeira marcha do processo de transformação digital. Coube então ao executivo entender as condições da pista do mercado nacional e acelerar o projeto Volkswagen 4.0. Nesta entrevista, ele analisa como a tecnologia tem pautado a companhia não apenas sob o ponto de vista da produção de novos carros e itens automotivos, mas também como se tornou nevrálgica em todos os processos, seja utilizando a realidade virtual para diagnosticar problemas e testar a viabilidade de projetos, ou usando a inteligência artificial para aprimorar a experiência de compra e consumo dos clientes, incluindo o pós-venda. “Quando comecei a trabalhar aqui, o mais importante para mim era estimular uma mudança de cultura. Porque, sem ela, nada seria possível.”

Meio & Mensagem — Há em curso um processo que a empresa chama da “Nova Volkswagen”. O que, na prática, isso significa?

Pablo Di Si — Hoje o real e o virtual se completam e as empresas precisam ser inteligentes e os processos ágeis, tecnológicos e conectados. Nesses últimos anos, desenvolvemos o laboratório de segurança, realidade virtual e técnicas imersivas, o modelo de concessionária digital, o aplicativo VW Connect e o Manual Cognitivo. Tudo é fruto de uma estratégia. Não são tiros que estamos dando para um lado e para o outro. Antes, por exemplo, todo o design dos carros era feito no papel, depois nós desenvolvíamos três ou quatro protótipos físicos para aprender com todas as etapas de construção de cada modelo. Agora, com tudo feito em 3D e com a realidade aumentada, eliminamos vários processos, ganhamos agilidade e ainda economizamos dinheiro. Por meio de sensores de movimento, também conseguimos realizar testes para melhorar a ergonomia e preservar a saúde de nossos profissionais na linha de montagem.

M&M — Como a tecnologia tem ajudado a otimizar a experiência de compra dos clientes?

Pablo — Todos os nossos sistemas estão integrados e isso beneficia o consumidor nas mais diferentes jornadas. O agendamento da visita a uma concessionária, por exemplo, já pode ser feito de maneira totalmente online, pelo aplicativo. Além disso, a garantia do automóvel, o selo das revisões e todo o seu histórico também estão no mesmo app. Também desenvolvemos o Manual Cognitivo, que utiliza o sistema de inteligência artificial Watson, da IBM, para responder às principais perguntas do consumidor, que podem ser feitas por voz, sobre o automóvel. Já temos mais de 13,5 mil perguntas e respostas cadastradas. Começamos há um ano, no Brasil, na Argentina e em alguns outros mercados na América Latina. Além de atender aos nossos clientes de maneira rápida e eficiente, a interação gera dados e um aprendizado muito rico sobre o consumo de nossos produtos. No começo do ano, lançamos também a concessionária digital. Seja pelo tablet ou com o uso de óculos de realidade virtual, ela permite aos consumidores realizarem toda a jornada de compra sem necessariamente ir a uma concessionária física. Além de conhecer o design interno e externo do carro, o sistema ainda exibe as simulações de financiamento e permite a efetivação da compra digital do carro, no mesmo momento. Se, mesmo assim, o consumidor quiser fazer um test drive, acionamos a concessionária mais próxima para levar o carro até ele. Em setembro, no Salão do Automóvel de Frankfurt, a IBM demonstrou o sistema entre os best cases mundiais. E tudo foi feito aqui.

M&M — Quais são os principais desafios em meio a essa transformação?

Pablo — Quando comecei a trabalhar aqui, percebi que o mais importante era estimular uma mudança de cultura. Porque, sem ela, nada seria possível. E isso significa que a empresa e os profissionais precisam ser mais proativos, pensar de um jeito diferente do que somos treinados, ter mais velocidade e aprender a aceitar o erro. Foi um processo de muita resistência no início. O pensamento de gestão também passou a ser outro, porque acredito em dar autonomia para as pessoas, e geralmente a indústria automotiva vai no sentido contrário disso. Alguns pilares foram essenciais nessa mudança. Primeiro, o desenvolvimento da cultura, por meio da liderança e a comunicação; depois, melhorar tudo que fazemos historicamente, simplificando processos. Por fim, transmitir esses valores aos stakeholders, internos e externos. Grande parte do meu tempo está neste último item. Todas as semanas faço eventos e apresentações para diferentes públicos, além de entrevistas para a imprensa. Também faço reuniões com CEOs, analistas internos e até mesmo instituições de ensino. Só consigo fazer isso porque tenho um time qualificado e que tem autonomia. Cada vez que vou ao laboratório, eles me mostram coisas novas. Eu não preciso mais empurrar o processo internamente.

M&M — Como é investir no mercado automotivo numa época em que o segmento atravessa total transformação?

Pablo — Estamos com o pé no acelerador. Vamos lançar no próximo ano mais um carro 100% desenvolvido no Brasil, o New Urban Coupé. E não é somente o design, mas toda a parte de eletrônica e de infotainment, tudo desenvolvido aqui. Será, inclusive, o primeiro carro inteiramente fabricado no País, que terá distribuição também na Europa. Somos a região da companhia que mais cresceu no mundo no ano passado. Mas, para que esse conceito de Nova Volkswagen seja sustentável, é fundamental o conhecimento que estamos desenvolvendo aqui, ainda mais nessa economia do futuro. Além de ser mais ágil e barato, estamos desenvolvendo coisas para exportar aqui e não apenas dobrando a chapa.

M&M — Para qual lado tem caminhado a comunicação da Volkswagen nos últimos meses?

Pablo — Temos conversado muito com a AlmapBBDO e tenho aprendido muito com eles, que têm total conhecimento sobre a companhia. Além de promover os produtos que temos lançado nos últimos anos, estamos trabalhando para humanizar ainda mais a nossa publicidade, com uma comunicação muito mais próxima das pessoas. E estamos medindo tudo o tempo todo, tanto a comunicação de produto, quanto a corporativa. Além disso, desde o ano passado, temos tentado gerar mais impacto com investimentos em menos meios. E, ao monitorar tudo, vamos ajustando a estratégia. Outra coisa importante, principalmente na comunicação de produto, é que estamos investindo muito mais no digital. A maneira como a empresa está focada em inovação e tecnologia também reforça isso. É um casamento. Do ponto de comunicação e marketing, a Volkswagen está em um momento mais flexível e aprendendo.

M&M — Algumas pesquisas mostram que a posse do carro deixou de ser aspiracional para grande parte dos jovens. Na esteira desse comportamento, crescem as opções de mobilidade, estimuladas pelas novas economias e seus aplicativos. Qual é o impacto desse cenário
para os negócios?

Pablo — O mundo vai por esse caminho mesmo, mas é um comportamento ainda mais presente nas grandes cidades, onde a transformação é mais rápida. Nesse sentido, temos caminhado com algumas iniciativas. Vamos começar um piloto de car sharing entre o final do ano ou o início do próximo, por aqui. Neste ano, a companhia lançou em Berlim o WeShare, um serviço de compartilhamento de carros elétricos. O aluguel é por minuto e inclui a carga elétrica e o cartão de estacionamento, que aqui chamamos de Zona Azul. O modelo pode funcionar bem em Berlim, São Paulo ou no Rio de Janeiro, porém, na medida em que você sai das grandes cidades, tudo se torna muito mais complexo. Mas não é impossível. E, o mais importante para nós, é não lançarmos esses modelos com qualquer carro, pois o
serviço precisa estar atrelado com a experiência.

M&M — Em 2015, a Volkswagen vendeu aproximadamente 11 milhões de automóveis com um software que mascarava as emissões de poluentes em testes de laboratório. De que maneira o episódio fez com que a empresa revisasse os seus processos?

Pablo — Após o escândalo, nossa empresa mudou por completo, foi um chacoalhão. Todos os produtos apresentados agora, em setembro, em Frankfurt, são elétricos e nasceram há três anos. Não tinha nenhum carro movido por combustão. Nosso compromisso como empresa global é, até 2050, ser certificada com o selo de CO2 neutro em toda a Volkswagen, seja venda de carro, produção ou compras. Em curto prazo, o nosso compromisso é fazer com que o modelo ID.3, que acabamos de lançar globalmente, seja CO2 neutral em toda a sua produção, incluindo os fornecedores e toda a sua cadeia produtiva. Adotamos metas agressivas alinhadas com a questão ecológica e isso não tem volta. Nos últimos três anos, investimos globalmente em 15 carros elétricos híbridos. Essa é uma demanda dos novos tempos e quem não se adaptar está morto.

M&M — No início do ano, você declarou que estava otimista com o mercado automotivo para os meses seguintes. Qual é o balanço parcial de 2019 para o segmento e a projeção para os próximos meses?

Pablo — O que está acontecendo no Brasil é que há muito crédito disponível. Tem muita liquidez nos bancos, uma inadimplência baixa e juros baixos. As condições são propícias para o consumo e isso deve nos levar a um crescimento robusto da nossa indústria na comparação com várias outras. Olhando mais para frente, quando a reforma da Previdência for aprovada, vai entrar muito dinheiro no Brasil e será uma alavanca para o próximo ano. Sempre fui muito otimista com isso. Claro que há algumas discordâncias com essa temática, mas todo mundo é consciente de que uma mudança é necessária. E isso vai trazer muitos investimentos para o País nos próximos anos.