Geladeira, TV, carro, relógio, tênis, ar-condicionado, lâmpada, porta, fralda, frasco de medicamento, máquina de lavar roupa, espelho, óculos, pneu, escova de dente. Esses são apenas 15 dos mais de 8 bilhões de objetos atualmente conectados no mundo graças à internet das coisas (internet of things (IoT), em inglês). Até 2020 serão cerca de 20 bilhões de itens, segundo estudo do Gartner. De um lado, gigantes de tecnologia investem no desenvolvimento de soluções para atender às demandas geradas pela evolução da internet das coisas. De outro, as casas inteligentes, os assistentes pessoais e os wearables também movimentam empresas, estimulando lançamentos de itens com conexão e troca de informações. Paralelamente, os dados gerados com a hiperconectividade passam a ser, cada vez mais, poderosas armas de insights, de avaliação rápida de produtos e de relacionamento assertivo com os consumidores. De uma maneira geral, os projetos atuais focam em simplificar, prestar serviço e melhorar as experiências dos clientes e a vida das pessoas.
No Brasil, além dos artigos direcionados ao consumidor final, a tecnologia vem ganhando corpo na indústria, na saúde, no agronegócio e na infraestrutura urbana (veja box). No entanto, a exemplo de outras inovações, o País caminha em passos mais lentos. A estimativa de negócios em todo o ecossistema de IoT no mercado nacional é de US$ 8 bilhões em 2018, de acordo com a IDC Brasil. “Em termos corporativos, o Brasil é sempre conservador para adoção de tecnologia. O País não é earlier adopter, e, neste caso, está no começo. Para se ter uma ideia, a China publicou há oito anos o seu plano nacional de internet das coisas, aqui podemos ter a assinatura (do projeto) pelo presidente Michel Temer ainda neste mês”, afirma o gerente de consultoria e pesquisa da IDC Brasil, Pietro Delai. O executivo diz que, no entanto, o Brasil tem uma outra característica, que é a de correr para alcançar, por isso, a expectativa da IDC é um ritmo de crescimento forte na aplicação da IoT. A previsão é que o volume de negócios chegue a US$ 13 bilhões em 2020.
Segundo o CEO da Pontomobi, Léo Xavier, para ajudar a desmistificar a internet das coisas e ampliar a massificação no Brasil há um mito que precisa ser derrubado: o de que é necessário ter a 5G. Essa tecnologia, prevista para chegar ao Brasil por volta de 2021, traz alta velocidade de conexão e baixa latência, dois elementos relevantes para a IoT. “Com o 4G existente no Brasil, a enorme maioria de aplicações para internet das coisas já é totalmente viável”, diz Xavier, ao ponderar que em alguns casos específicos de telemedicina ou mobilidade urbana, por exemplo, as características do 5G são essenciais. “Mas não precisamos esperar para que, de fato, tenhamos IoT feita com interesses ou objetivos de massa”, comenta o CEO.
Dentre as aplicações que já ocorrem atualmente o executivo cita o dash button da Amazon, o qual facilita a compra de itens do dia a dia. Trata-se de um botão físico, que permite que um produto seja adquirido com um toque. Além disso, Xavier comenta sobre as TVs conectadas e os eletrodomésticos, que já estão no mercado brasileiro. A IDC estima que 4% das residências brasileiras já possuem algum tipo de dispositivo conectado, como controles de câmeras de segurança, temperatura e ar-condicionado, por exemplo. Sobre os assistentes eletrônicos, a IDC informa que é necessário que se aprimore a compreensão do português e que se ganhe escala para que o preço seja compatível com o bolso do brasileiro. Em 2018, o mercado doméstico de IoT no Brasil será responsável por US$ 612 milhões, segundo a empresa.
Para o gerente de produto TV da LG Brasil, Krauniski, um dos desafios para a massificação da IoT é justamente a adaptação das tecnologias para o português. Por isso, a companhia desenvolveu o recurso de Processamento de Linguagem Natural (PNL) adaptado para o idioma no Brasil, que já é oferecido em suas TVs com controle de voz. O mais recente lançamento da sul-coreana, a LG Signature OLED TV W8, traz essa solução e tem suporte para assistentes virtuais. A internet das coisas, aliás, é um dos pilares estratégicos de inovação da companhia. “A marca já vem investindo em produtos conectados à internet há algum tempo e, nos últimos anos, percebemos um crescimento na demanda por parte dos consumidores – movimento que começou no exterior e já está ganhando espaço no Brasil também. Para a empresa, o principal retorno está em continuar sempre atendendo aos desejos dos clientes, mantendo-se na vanguarda da indústria”, diz o executivo.
A Electrolux é outra companhia que tem direcionado sua estratégia para a internet das coisas e o universo digital. “Especialmente quando falamos em estratégia de inovação, a IoT vem traduzida em produtos, soluções e serviços que têm como propósito promover experiências que geram menos esforços aos consumidores em seu dia a dia”, diz o diretor de TI da Electrolux América Latina, Flavio Limaos. Ele conta que, além de iniciativas ligadas ao consumidor final, essa tecnologia também é empregada em toda a manufatura da empresa, já que é capaz de otimizar processos de produção.
“Já nos produtos, cada vez mais buscamos incluir a conectividade de forma que facilite a realização das atividades e ofereça uma melhor experiência ao consumidor”, afirma Limaos. Nesta área, mais de 30% da equipe de design se dedica a projetos ligados à conexão. Na companhia, a IoT tem sido aplicada em eletrodomésticos como fogão, ar-condicionado, lava e seca e refrigerador por meio de aplicativos que permitem controlar os objetos de forma móvel, que notificam o término do processo, e que fornecem conteúdos complementares à tarefa. “Isso gera uma nova forma de interação com a casa, pois permite que o consumidor não tenha mais que ficar operando os produtos, tornando a experiência de uso mais fácil e com menos esforço”, comenta o diretor.
O VP de Ownership Experience Solutions da Electrolux América Latina, Rafael Bonjorno, complementa que, além dos pontos relacionados com a interação com a marca, acessibilidade e economia de tempo, o consumidor pode personalizar o funcionamento de acordo com suas preferências e aproveitar mais momentos de lazer, que antes eram demandados justamente pela necessidade de acompanhamento constante e manual das atividades. “Além disso, os produtos conectados permitem extrair importantes inputs e feedbacks de uso; a geração de dados a partir do consumo e, principalmente, precaver falhas e realizar um atendimento mais rápido”, comenta Bonjorno.
“Com a IoT, vamos conseguir ter acesso às informações mais pessoais e, de fato, relevantes. Ao mesmo tempo, a regulamentação se faz necessária para impormos um limite de qual dado é público e qual não é”, avalia o diretor de estratégia e insights da F.biz, Willian Zanette. O Brasil ainda está começando a se movimentar no que diz respeito à privacidade, enquanto a Europa, que é um mercado mais maduro, já possui legislação clara e penalidades rigorosas. “Esse é um desafio para qualquer segmento que trabalhe com informação”, reforça Pietro Delai, da IDC.
Criação de serviços
Uma outra vertente trazida pela IoT para as empresas é a de criar serviços atrelados aos produtos. Léo Xavier explica que hoje, graças a empresas como Uber, Netflix, Airbnb, Spotify e outras, o consumidor se acostumou com novas experiências digitais, essenciais para o dia a dia, e que redefinem a relação de consumo. Essa transformação abre espaço para as companhias e agências desenvolverem serviços que gerem maior percepção de valor pelo cliente e uma experimentação potencializada pelo mundo digital. “Os serviços vão ressignificar os produtos físicos”, afirma o CEO da Pontomobi.
A LG e a Electrolux já consideram esse aspecto em suas estratégias. Na empresa sueca, por exemplo, essa conexão e integração são o grande enfoque do ano. Graças à evolução da IoT, a companhia pretende levar aos usuários uma nova experiência por meio de soluções de produto e serviços conectados. “A entrega desse benefício já é hoje muito mais relevante ao consumidor do que o produto em si”, informa Bonjorno. Já a LG desenvolveu uma plataforma de inteligência artificial, que é aberta e oferece suporte para qualquer assistente ou serviço atrelado aos produtos com IoT. “Acreditamos que essa seja a melhor forma de seguir quando atuamos em um mercado no qual diversas tecnologias surgem rapidamente. Assim, os consumidores terão a certeza de que podem utilizar seus serviços favoritos em nossos produtos, independentemente da fabricante”, comenta Igor Krauniski.
Para a diretora de produtos e inovação do Google Brasil, Flávia Verginelli, a IoT está diretamente relacionada à assistência. A executiva afirma que os gadgets conectados vão ajudar no dia a dia do consumidor e resolver problemas para ele. “O nosso cérebro está começando a se acostumar com um nível de serviço elevado. Hoje, há algo pensando por mim em atividades que podem ocupar o meu tempo. Isso é assistência”, comenta a diretora. Ela cita um exemplo realizado entre Alibaba e Ford, na China, com clientes da empresa de comércio eletrônico. A ação consistiu na construção de uma garagem automática onde os consumidores poderiam retirar veículos para test-drive de três dias usando a tecnologia de reconhecimento facial. “Nesse caso, é aplicada a internet das coisas, mas pouco importam as coisas e a internet, mas sim o nível de serviço”, diz Flávia.
“Os produtos conectados permitem extrair importantes inputs e feedbacks de uso; a geração de dados a partir do consumo e, principalmente, precaver falhas e realizar um atendimento mais rápido” – Rafael Bonjorno , VP de Ownership Experience Solutions da Electrolux América Latina
Rafael Bonjorno, da Electrolux, acredita que, por aqui, o consumidor está preparado para a entrada dos objetos conectados em suas casas. “Apesar de ser um movimento recente no País, os brasileiros estão abertos e confortáveis ao uso de tecnologias com IoT, pois acreditam que tornam as tarefas do dia a dia mais práticas. Ainda assim, há a preocupação em relação à segurança dos dados fornecidos nos aparelhos e como serão usados pelas empresas”, diz. Para Willian Zanette, da F.biz, ainda há um caminho a ser percorrido pelos consumidores, porém ele reforça o potencial de evolução e penetração que os dispositivos conectados, especialmente os voltados para o uso residencial, terão conforme forem adicionadas funcionalidade e integrações com outros sistemas. “O próximo passo na evolução da IoT e da AI é diminuir a sensação de estarmos falando com uma máquina, a ubiquidade já é um fato, mas o uso ainda não é totalmente natural. Quando essa barreira cair, todos teremos acesso a um Jarvis (do filme ‘Iron Man’) pessoal”, afirma o diretor.
Os investimentos da LG em produtos com IoT fortalecem a crença interna da empresa de que o brasileiro está pronto. “Acreditamos que o consumidor está, sim, preparado para essa tecnologia e que, neste momento, estamos passando por um período de adaptação”, avalia Krauniski. A estratégia da companhia para ampliar o conhecimento sobre o tema está focada na experiência do consumidor nos pontos de venda, em feiras como a CES e Mobile World Conference e em plataformas digitais no relacionamento com influenciadores relacionados com tecnologia.
Diante desse cenário de transformação de consumo, as agências de comunicação terão de redefinir suas entregas e seu valor para o anunciante, segundo o CEO da Pontomobi, Léo Xavier. “Do ponto de vista de mercado publicitário, o grande desafio é a compreensão, primeiro, de mudança de paradigma do consumidor no que diz respeito à experiência digital que ele tem com marcas e produtos. As agências precisam deixar de criar apenas a comunicação digital, que muitas vezes é online somente, e pensar no movimento de produtos e serviços que, por meio do poder do digital, passam a redefinir a relação com o consumidor”, finaliza Xavier.
Tecnologia acelera as cidades inteligentes
No mundo, o termo internet das coisas passou a ser empregado mais amplamente a partir de 1999, quando o britânico Kevin Ashton, especialista em tecnologia e co-fundador do Auto ID Center, do MIT, usou a expressão em uma reunião da P&G, empresa em que ele atuava na ocasião. Na companhia, o executivo comandou um trabalho pioneiro sobre identificação de produtos por radiofrequência. De lá para cá, bilhões de objetos foram conectados à internet e algumas áreas além do B2C, como saúde, agronegócio, indústria e infraestrutura urbana, vêm se destacando na aplicação de IoT. No caso das cidades inteligentes, por exemplo, a internet das coisas irá criar um impacto social e econômico significativo. A previsão da McKinsey é de que, em 2025, a movimentação chegue em US$ 1.6 trilhão por ano com o uso de IoT nesse universo.
Empresas de tecnologia estão atentas a esse potencial. O Google, por meio da Alphabet Sidewalk Labs, comprou no ano passado 48 mil metros quadrados em Toronto para criar um bairro inteligente. O projeto, chamado Sidewalk Toronto, receberá investimentos de US$ 50 milhões e combinará design urbano inovador com tecnologia para criar um bairro com alto nível de sustentabilidade, acessibilidade, mobilidade e oportunidades econômicas. O objetivo é oferecer melhor qualidade de vida para as pessoas. No local, por exemplo, apenas 20% dos moradores terão carro, o que vai diminuir o impacto no trânsito.
A SAP, por sua vez, forneceu soluções de IoT, para analisar dados de sensores de bueiros em tempo real em Buenos Aires. Desta forma, foi possível prever e prevenir os riscos causados pelas chuvas, especialmente em casos de inundações. Nos Estados Unidos, Nova York está implantando sensores em lixeiras para informar quando estão cheias. Por aqui, as cidades inteligentes são um dos pilares estratégicos do levantamento “Internet das Coisas: um plano de ação para o Brasil”, liderado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). O estudo pode sair do papel ainda nesse semestre.