Imagine a cena: você olha para a tela do computador e vê um bebê fofo, de bochechas rosadas, extraordinariamente semelhante a um ser humano. Ele fala, acompanha seus gestos e feições, se emociona, aprende e reage com você. E mais: brinca com objetos virtuais e desenha na tela. Embora a criação do Baby X esteja diretamente ligada a duas estatuetas do Oscar, ele não é parte de um filme de ficção científica. Esse avatar inteligente e emocionalmente responsivo foi desenvolvido na Nova Zelândia pela empresa Soul Machines, fundada pelo engenheiro e especialista em inteligência artificial (IA), Mark Sagar, que também é ganhador de Prêmios da Academia pelos efeitos de Avatar e King Kong.

A Soul Machines é uma startup de alta tecnologia que reúne pesquisadores de inteligência artificial, neurocientistas, psicólogos, artistas para repensar como os seres humanos interagem com as máquinas. A empresa usa redes neurais — modelos de computação inspirados no cérebro humano — e sensoriais para criar um sistema nervoso central virtual que é a base de avatares realistas e que respondem às emoções. Uma das aplicações das soluções da Soul Machines é na área de assistentes virtuais.

O banco britânico NatWest, aliás, acaba de anunciar um projeto piloto em parceria com a startup de Sagar. A iniciativa envolve o protótipo de “ser humano digital” da Cora, assistente virtual da entidade financeira, a qual é usada atualmente para responder às perguntas dos clientes por meio de texto. Já a versão “humana” de Cora, que ainda está em fase de testes no Reino Unido, é capaz de passar informações básicas sobre questões como “O que faço se perder meu cartão?”, “Como acesso meu banco online?”  A companhia acredita que o avatar ajuda a liberar tempo para que os funcionários respondam questões mais complexas, além de atender às consultas fora do horário de trabalho. Segundo o NatWest, até o momento, os testes sugeriram que os clientes que evitavam serviços digitais no passado podem estar mais inclinados a interagir com “seres humanos virtuais”.

Mas não é preciso ir tão longe para ter acesso à inteligência artificial. Ela está na palma da nossa mão. Essa tecnologia, que na verdade começou a ser desenvolvida na década de 1940, é aplicada hoje nos assistentes virtuais, como a Siri, da Apple, nos aplicativos de GPS como o Waze, no preenchimento automático das buscas do Google, no corretor ortográfico do celular, no atendimento e transações dos grandes bancos, nas recomendações do Netflix ou da Amazon, por exemplo. Trata-se de um mundo gigantesco em evolução exponencial e que estará em praticamente todas as atividades tecnológicas que o homem desenvolver daqui por diante.

“Inteligência artificial é a capacidade de uma máquina conseguir tomar decisões complexas como se fosse um ser humano. Esse processo é cognitivo, ou seja, exige diversos fatores relacionados à percepção humana (pensamento, linguagem, raciocínio, memória, aprendizado, sensação, etc)”, afirma o Líder de Watson Marketing da IBM, Éber Gustavo Gonçalves da Silva. Quatro áreas estão diretamente ligadas à revolução da inteligência artificial: machine learning, processamento de linguagem natural, visão computacional e processamento de áudio.

“É necessário ajudar o mercado a compreender de maneira simples e direta o que significa inteligência artificial. Quanto mais desmistificarmos o assunto, mais natural será o uso das soluções”, diz o CEO da Dentsu Aegis Network no Brasil, Abel Reis. De fato, é muito comum a associação da IA com filmes de ficção científica como 2001: uma Odisseia no Espaço, que acaba de completar 50 anos de estreia, Exterminador do Futuro, Eu, Robô, Ela ou Ex Machina. “Esse tema é muito intrigante e desafiador porque nos leva a pensar sobre nós mesmos — o que nos faz intrinsecamente humano; o que nos torna interessantes e desinteressantes. Se nos prendermos às questões mais filosóficas, aumentamos a dificuldade de compreensão de que hoje há aplicações muito práticas e concretas e que podem ser bem-sucedidas naquilo que é mais corriqueiro na nossa vida e nos negócios”, completa o executivo.

De acordo com Reis, o grande avanço da IA se deu a partir das redes neurais artificiais. “No fim dos anos de 1980 passamos a trabalhar com modelos de inteligência artificial baseada em redes neurais, que têm a capacidade de aprender sozinhos desde que sejam expostos a um treinamento, um input continuado de estímulos, que permite reconhecer padrões”, diz, ao acrescentar que quanto mais os sistemas são incentivados, mais inteligentes ficam. Atrelada a essa evolução está a imensa quantidade de dados disponíveis hoje e a capacidade computacional de examiná-los em minutos.

“A nuvem, o compartilhamento de conhecimento entre pessoas de diversas nacionalidades e o conceito de trabalho colaborativo permitiram que o desenvolvimento da inteligência artificial fosse exponencial. Com a democratização da tecnologia conseguimos investir em novas capacidades para que os milhões de dados gerados diariamente pudessem ser analisados”, diz Silva, da IBM. Segundo o Professor de ciências da computação da University College Dublin, Barry Smyth, que participou de um estudo da Accenture, “os dados são para a IA o que o alimento é para os seres humanos.”

Na prática, o reflexo do avanço da inteligência artificial traz para o dia a dia um nível de velocidade, acuracidade e previsibilidade até então inéditos. E isso ocorre especialmente do ponto de vista operacional. “A inteligência artificial ajuda a liberar tempo para libertar o nosso potencial intelectual. Cada vez mais a IA vai nos tirar de atividades extremamente operacionais para que possamos nos dedicar ao que o robô não faz e que envolvem tomadas de decisão associadas a discernimento, subjetividade e criatividade”, comenta o CEO da Stilingue, Rodrigo Helcer. A Stilingue é uma startup que emprega inteligência artificial em sua plataforma.

Mas há aplicações voltadas para o âmbito intelectual, como a literatura, por exemplo. Recentemente, um engenheiro norte-americano estimulou uma rede neural com mais de cinco mil páginas dos livros de Games of Thrones. Depois disso, o sistema criou sua própria versão do sexto exemplar da série, que já tem cinco capítulos. No Japão, um conto feito por um computador passou na primeira fase de um concurso literário. Obviamente, em ambos os casos, a criação foi incentivada pelo homem e resultou em alguns erros. “Redes neurais estabelecem correlações aproximadas com inputs que recebem, ou seja, não são infalíveis”, comenta Reis.

Entre as aplicações atuais da IA estão a automatização de processos; a ajuda na recomendação de próximas ações e a descoberta de insights. Como benefícios, as soluções trazem ganhos efetivos em procedimentos operacionais, redução de custo e geração de receita

Por aqui, os setores financeiros, de agronegócios e de varejo vêm adotando a inteligência artificial de forma mais ativa. Entre as aplicações atuais da IA estão a automatização de processos; a ajuda na recomendação de próximas ações e a descoberta de insights. Como benefícios, as soluções trazem ganhos efetivos em procedimentos operacionais, redução de custo e geração de receita. Segundo a Accenture, o impacto da IA no Brasil pode gerar um aumento de 0,9 ponto percentual na taxa de crescimento anual do País em 2035, atingindo um adicional de US$ 432 bilhões no Valor Agregado Bruto (VAB).

A IA alavanca o crescimento de áreas como machine learning, reconhecimento de voz, assistentes virtuais, visão computacional, processamento de linguagem natural e motores de recomendação, além da automação — o que dá origem aos carros autônomos e robôs de linhas de produção de fábricas, por exemplo. Neste universo, empresas como Google, Facebook, Twitter vêm naturalmente introduzindo no seu portfólio ferramentas que se beneficiam de aplicações de inteligência artificial. Os grandes fabricantes de software, como IBM, Oracle, Microsoft, SAP e Infor também possuem soluções integradas às suas plataformas. Paralelamente, as startups avançam democratizando ainda mais as soluções que empregam IA.

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Impacto no marketing

No marketing, as companhias já estão investindo em soluções para atrair, engajar e se relacionar com os clientes. “Hoje, 80% dos dados gerados são não-estruturados (imagens, vídeos, chats, etc) e, por isso, ignorados pelas empresas. Com a inteligência artificial, eles podem ser utilizados para gerar insights, personalizar o contato, identificar tendências e novas oportunidades de negócio. Para os próximos anos, tecnologias que antes eram pouco acessíveis (como análise de propensão e preditiva) farão parte da vida do profissional de marketing. Teremos, por exemplo, uma comunicação hiperpersonalizada em que fatores como propensão de compra e predição de comportamentos serão aplicados para fidelizar clientes”, comenta o executivo da IBM.

Um estudo encomendado pela empresa com cerca de 900 líderes de marketing e vendas do mundo, incluindo América Latina, apontou que 64% dos diretores entrevistados acreditam que suas indústrias estarão preparadas para obter soluções com IA nos próximos três anos, porém, somente 24% dos participantes afirmam ter uma estratégia estabelecida atualmente para aderir à inteligência artificial. Entre as barreiras estão o desconhecimento do que é a tecnologia e do seu custo real; a predisposição a algo novo e a crença de que a ascensão da IA irá substituir os profissionais por máquinas. “A tecnologia já está acessível, o que precisa mudar é o mindset do marketing”, diz o CEO da Social Miner, Ricardo Rodrigues. No estudo da IBM, 93% dos entrevistados dizem que a IA está pronta para ser usada no mercado e outros 91% apontam que essa tecnologia é boa para as suas organizações.

Entre os benefícios trazidos pela aplicação de inteligência artificial em soluções voltadas ao marketing estão o acesso a insights sobre seus consumidores, tomadas de decisões precisas e maior satisfação dos clientes, o que resulta positivamente na receita das companhias. A inteligência pode ser aplicada tanto na atração dos clientes — o que está ligado diretamente à mídia — quanto no engajamento e também após a conversão de venda, atuando atrelada ao CRM, por exemplo.

A Social Miner é uma startup que desenvolveu uma plataforma para engajamento do consumidor que aplica a inteligência artificial para tornar a automação de marketing mais personalizada. Com ela, é possível entender o comportamento do usuário para saber o melhor momento de venda de um produto. “Nós nos apoiamos nos dados, mas não deixamos de ser humanos”, diz o CEO. Entre os seus clientes estão Natura, Sephora, Reserva, Livraria Cultura e Hotel Urbano. Agora, a Social Miner, que foi criada em 2014 e atualmente trabalha com 56 colaboradores, mira as pequenas e médias empresas.

Outra startup que vem crescendo na esteira da evolução da inteligência artificial é a Stilingue, cuja plataforma online integra machine learnig, processamento de linguagem natural em português – seu grande diferencial  – e visão computacional. Sua tecnologia é voltada para monitoramento de redes sociais, insights para investimento em mídia e serviços de atendimento a clientes via mídias sociais. A empresa, que tem no seu portfólio agências de publicidade e de PR, companhias e institutos de pesquisa, cresceu 218% em 2017 e prevê dobrar de tamanho em 2018. “No Brasil, o marketing já iniciou a adoção de inteligência artificial. Algumas empresas passaram na frente e começaram a colher os frutos dessa tecnologia, principalmente em otimização dos investimentos de mídia, gestão de crises, obtenção de insights, inteligência competitiva e melhor conhecimento da experiência do cliente com a marca”, diz Rodrigo Helcer.

Um dos projetos da Stilingue envolveu o monitoramento das redes sociais durante o Rock in Rio no ano passado. Um time de 30 analistas migrou para o evento para acompanhar tudo o que se falava dentro e fora da cidade do rock. Cerca de cem posts foram analisados por minuto ao longo do festival. “Essa ação alertou e antecipou as oportunidades e melhorias do evento tanto para patrocinadores quanto para relacionamento com a imprensa”, conta Helcer. O Bradesco também realizou um trabalho de monitoramento para avaliação de patrocínio durante a Olimpíada do Rio.

O banco, aliás, emprega a inteligência artificial em diferentes frentes: geração de leads; atendimento ao consumidor; auxílio de seus funcionários com informações sobre produtos e serviços financeiros; monitoramento das redes sociais e outros. A IA aparece lado a lado com a estratégia de negócio da companhia, que já desenvolveu parcerias com mais de 20 startups da área. Há cerca de dois anos, a instituição financeira lançou o BIA (Bradesco Inteligência Artificial), que permite plugar vários motores de inteligência por trás do atendimento ao cliente. Desde então, já foram registradas mais de dez milhões de conversas. Recentemente o Next, banco digital do Bradesco, também aderiu ao BIA.

A Vivo é outro exemplo de adoção de assistentes virtuais para atendimento ao cliente. A operadora de telefonia acaba de lançar a Aura, que é baseada em IA e acessível por comando de voz — tecnologia pioneira neste segmento no País. Atualmente, a solução vem sendo oferecida para os usuários de telefonia móvel da empresa, mas será ampliada para outros canais de relacionamento com o consumidor. Segundo o Vice-presidente de Estratégia Digital e Inovação da Vivo, Ricardo Sanfelice, cerca de 80% dos clientes do serviço Meu Vivo Mais já interagiram com a Aura fazendo em média cinco perguntas por contato e acuracidade de respostas próximas a 90%.

Desde 2014, a operadora vem usando o serviço de assistente virtual no relacionamento com o consumidor. “A Vivi, como é chamada, evoluiu progressivamente em robustez e assertividade com base no feedback real dos clientes. No ano passado, fez mais de dez milhões de atendimentos por meio de todos os canais onde está presente, um crescimento de mais de 67% em relação a 2016, e índice de assertividade de 94%”, diz Sanfelice. Segundo o executivo, há um grande potencial para o uso de inteligência artificial em diferentes setores, inclusive no de telecomunicações e, como ocorre com toda tecnologia, ela ficará mais acessível à medida que ganhar escala e que o comportamento dos usuários avançar.

“Os consumidores querem respostas para suas necessidades, seja para solucionar dúvidas, ou comprar serviços, na hora que desejam, de forma rápida e prática. Por isso, como parte da nossa estratégia de transformação digital, a Vivo tem avançado na oferta de canais digitais de atendimento, que dão autonomia e praticidade para os clientes”, finaliza o vice-presidente.

Reflexos na comunicação

Conhecer profundamente o comportamento do consumidor é um dos grandes ganhos que a inteligência artificial traz para o mercado de comunicação. Mas a evolução da tecnologia se reflete também em benefícios para a área de mídia, além de insights para a criação de campanhas. “A IA ajuda a diminuir o ruído na comunicação”, diz o CCO da Accenture Interactive para América Latina, Eco Moliterno. Segundo ele, o conhecimento obtido com soluções baseadas em IA, especialmente no que diz respeito aos hábitos e experiências dos clientes, ajuda a criar mensagens mais assertivas. “Quando há ruído, a publicidade perde a sua efetividade porque, por mais convincente que ela seja, o produto não interessa ao consumidor”, comenta Moliterno.

Paralelamente, a mídia colhe as vantagens proporcionadas pela IA. “Hoje existe um espaço para tratamento de grande massa de dados e de documentos em planejamento, execução e acompanhamento de mídia”, afirma o CEO da Dentsu Aegis Network no Brasil, Abel Reis. A própria Dentsu tem um robô na área, chamado Expedito, cujo o objetivo é melhorar processos e torná-los otimizados.

“Na criação, entretanto, é difícil pensar numa inteligência artificial que possa desenvolver uma big idea poderosa que venha se transformar numa campanha de alto impacto. Ainda assim, é possível imaginar que, em alguns anos, existam assistentes digitais inteligentes cooperando com o diretor de criação e dando recomendações que podem subsidiar o trabalho e a tomada de decisão. Mas nunca substituindo o papel da liderança criativa”, diz Reis.

Hoje há agências empregando soluções de IA como suporte para conceitos criativos. A Ogilvy, por exemplo, desenvolveu uma ação para a Forbes que mostrou a cara do corrupto brasileiro. Além do rosto, com os traços físicos, uma solução de machine learning apontou ainda as características de personalidade do homem, chamado de Ricky Brasil.

Texto: Conteúdo à la carte

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