Por Bárbara Sacchitiello
Com 133 anos de história, não foram poucas as transformações sociais, culturais e tecnológicas vivenciadas pela Avon. Além de produtos de beleza, a marca surgiu nos Estados Unidos oferecendo, pelo conceito da venda-direta, a oportunidade para que as mulheres conquistassem independência financeira. Mais de um século depois, o olhar ao feminino continua, mais orientado à liberdade de escolhas, sustentada por uma atuação social. É esse papel que uma empresa do segmento deve ter, na opinião de Viviane Pepe, global creative & content brand director da Avon. Adquirida pela brasileira Natura neste ano, a empresa procura equilibrar seu avanço em duas frentes. Ao mesmo tempo que já conta com inteligência artificial para a criação de alguns de seus produtos, ainda preserva o modelo de vendas da fundação para conservar o relacionamento pessoal com suas consultoras. Na visão de Viviane, além da personalização possibilitada pela tecnologia, o futuro da indústria da beleza passa pelo compromisso com as pautas ambientais e por uma ressignificação completa do belo, não mais definido pelo olhar exterior.
Meio & Mensagem — Quando analisamos a comunicação mais recente do setor de higiene e beleza, é possível notar o quanto os players desse segmento abraçaram a diversidade e a inclusão como elemento da publicidade. Por que esse tema teve uma aderência tão maciça nessa indústria?
Viviane Pepe — Nós, como Avon e como indústria da beleza, sempre falamos em diversidades. Dessa forma, no plural, porque ela não é uma só. Quando falamos de Brasil, precisamente, tocamos em questões muito amplas de diversidade, não apenas étnicas e raciais, mas também de gênero, biotipos, culturas, influências e classes sociais. Tudo isso impacta muito na forma como enxergamos a beleza, que é nosso principal produto. A principal mudança na abordagem — e que foi muito puxada pela nova dinâmica da comunicação trazida pelas redes sociais — está relacionada à nova consciência trazida pelos recentes movimentos feministas. E, quando as marcas de beleza têm isso em sua essência, é inevitável acompanhar essa conversa. Essas conversas sobre o papel da mulher na sociedade são pautas do cotidiano, pertencem às pessoas, mas as marcas que já compreenderam que não têm mais uma relação de monólogo com seu público sabem da importância de participar dessa discussão e, a partir daí, definir até um novo conceito do que é beleza.
M&M — E qual seria esse novo conceito de beleza?
Viviane — Até então, o que se encarava como beleza era um conceito definido de fora para dentro, um olhar externo à mulher. A grande mudança é que não temos mais espaço para olhares exógenos. Hoje, a beleza está muito mais calcada na autoestima, no fato de a mulher conseguir se reconhecer, assumir seu potencial e ir além do que está na superfície. Por isso, além da comunicação, também é extremamente importante a presença feminina em toda a cadeia de valor das corporações do setor, desde as lideranças até marketing, e todas as demais áreas.
M&M — Esse segmento já abordou diferentes tipos de diversidade em sua comunicação (de gênero, social, étnica, sexual, de idade e outras). Qual será o próximo ponto a ser explorado dentro desse conceito de diversidade?
Viviane — Temos muito ainda a trabalhar sobre todos esses pontos citados. Aliás, a própria palavra diversidade precisa ser revista porque, se partirmos do ponto que existe o diverso é porque, do outro lado, existe um normal. Então, temos que nos questionar sobre o que, de fato, é diferente e fazer com que ele seja encarado como algo normal. A proposta da indústria ainda está focada em representar o Brasil, e isso passa muito pela importância em refletir a representatividade racial. Temos mais de 50% da população brasileira declarada negra, então é fundamental que, como marca, mostremos isso e falemos disso. Na verdade, é necessária uma reconstrução histórica de vários elementos e, cada vez mais, evidenciamos diferentes pontos. Estamos muito preocupados em falar sobre a questão da idade e trabalhar o tema do antienvelhecimento, que é um termo que deixamos de usar porque não podemos dizer às mulheres que elas não podem envelhecer, mas, sim, que elas se sintam plenas em todas as fases que estão vivendo. É importante a comunicação de uma marca validar e mostrar tudo isso.
M&M — O Brasil sempre foi um dos maiores mercados de higiene e beleza do mundo. O que vê de diferente nos consumidores brasileiros na comparação com os de outros mercados?
Viviane — Muitas das características da consumidora brasileira vêm da nossa herança e da cultura indígena, que têm um comportamento bem particular em relação à higiene. Inclusive, por isso, costumamos olhar o setor de higiene e beleza no Brasil como um só, enquanto em outros mercados ele costuma ser mais separado. A consumidora brasileira une muito os conceitos estéticos, de higiene, com o do bem-estar, da beleza interior e tem um olhar muito holístico em relação ao corpo, como um todo, desde a ponta do cabelo até a ponta da unha. No mundo — e ainda mais no Brasil —, a beleza é um tema que acaba conectando diferentes classes sociais. Da mulher mais privilegiada financeiramente até a menos, há intersecções muito claras na relação com produtos de higiene e beleza.
M&M — A questão ambiental passou a ser um tema recorrente das marcas desse setor, que começaram a divulgar iniciativas e soluções que procuram diminuir o impacto ambiental e reaproveitar resíduos. Os consumidores tendem a exigir mais esse compromisso das marcas do setor?
Viviane — Com certeza. Temos o compromisso de acelerar a questão ambiental, em toda a cadeia e em todos os países do mundo. Por sermos uma marca global, há países em que não temos o controle de 100% da cadeia produtiva e existem legislações diferentes em relação a testes, por exemplo. Mas estamos preparados para, inclusive, abrir mão de produtos, se necessário, para nos adequarmos aos nossos compromissos de sustentabilidade. Isso passa também por uma reformulação da atuação em todas as áreas. No marketing, por exemplo, estamos consolidando um pensamento digital first, revendo nossas regras e, principalmente, ouvindo aos nossos consumidores e entender o que eles estão pedindo, não apenas em relação aos produtos, mas na maneira como nos comunicamos e refletimos os interesses das pessoas.
M&M — Como estão os investimentos em pesquisas e tecnologia para a inovação nos produtos e como essa área tende a se desenvolver em toda a indústria?
Viviane — A tecnologia será um canal direto de personalização. Foi exatamente isso o que fizemos no lançamento global de Genius, que foi desenvolvido no Brasil. Ouvimos quais eram as maiores demandas das mulheres em relação a uma máscara de cílios e, posteriormente, fizemos um mapeamento dessas informações. Com base nelas, foi criado um algoritmo que trazia essa resposta, atendendo aos cinco maiores desejos do público. Ou seja, é um produto totalmente baseado em social listening. A tecnologia tem a função de nos auxiliar a fazer produtos mais personalizados para diferentes tipos de pele, de clima, com mais qualidade e mais sustentáveis. E a indústria, claro, tem o desafio de colocar toda essa tecnologia a favor do relacionamento entre as revendedoras e as consumidoras, que ainda é nossa essência. Temos quase seis milhões de mulheres no mundo à frente da marca (refere-se às revendoras de produtos Natura e Avon) e a tecnologia tem a função de trazer insights e insumos para que esse relacionamento com as consumidoras seja incrementado. Até porque, se existe um setor no mundo em que o boca a boca e a recomendação ainda tem uma grande força para o consumo, é o da beleza. Por isso, precisamos ser high tech, sem deixar de ser high touch.
M&M — O setor da beleza é um dos que mais trabalham influenciadores. Como lida com esse canal?
Viviane — Para os influenciadores, vale a mesma lógica que usamos para todos os demais canais. Quando falamos de microinfluenciadoras, que têm um poder forte de engajamento, conseguimos atingir diretamente um público bem específico. Já quando uso uma celebridade, como a Paolla Oliveira, faço um paralelo com o que faço na TV, mirando em um público de massa. Ou seja, o uso de influenciadoras é algo complementar, que combinado com as demais estratégias, consegue trazer diferentes resultados. Estamos com um piloto com microinfluenciadores, para trazer outro olhar ao marketing de recomendação, para usarmos de forma transparente e crível, sempre considerando a sinergia daquelas pessoas com os valores da marca. Sempre haverá momentos de dar tiro de canhão e, outros, de promover pequenas conversas.
M&M — Em sinergia com os movimentos feministas atuais, a indústria da beleza começou a propagar discursos de mais liberdade em relação ao uso de maquiagem e cosméticos. Como equilibrar o paradoxo entre essa não obrigatoriedade de uso de produtos com a comercialização dos itens que, obviamente, é o pilar de sustentação da indústria?
Viviane — O ponto central será sempre colocar isso como uma escolha. Ao dizer às mulheres que elas podem se sentir bem do jeito que elas quiserem, nos posicionamos como uma marca que dá acesso democrático à beleza para que elas, com o próprio olhar crítico, definam que tipo de estilo e identidade querem adotar. E isso muda totalmente a partir do momento em que a indústria — e não só a da beleza, como também a da moda e outras — começa a transmitir a ideia de que sua função primordial é satisfazer a própria mulher e não a qualquer outro olhar externo.
M&M — O grande público-alvo da indústria da beleza ainda é, majoritariamente, as mulheres. Contudo, vemos um crescimento das marcas no desenvolvimento de produtos e na comunicação direcionada aos homens. A participação masculina nesse segmento tende a crescer?
Viviane — Sim, mas temos um desafio cultural de levar aos homens também esse conceito de liberdade de escolhas. As mulheres, por muito tempo, já nasciam inseridas em um contexto em que tinham que seguir determinados papéis predeterminados. Então, por isso, há todo esse trabalho de desconstrução de estereótipos. No caso dos homens, há mais liberdade de escolha, mas também é necessária uma nova concepção do masculino com mais liberdade, sem aquela capa da masculinidade tóxica, que permeou por tanto tempo. A indústria está, sim, empenhada no desenvolvimento de mais fragrâncias, de itens de cuidados com a pele e, também, de maquiagem. Não podemos esquecer que temos uma nova geração com fluidez de gênero e temos que garantir que eles também tenham possibilidade de fazer escolhas.
“Óbvio que o centro da marca é a venda de produtos mas será primordial que o consumidor enxergue a empresa como parte da sociedade”
M&M — No futuro, o que um consumidor irá exigir de uma marca de beleza?
Viviane — Transparência, consistência, personalização, que é a compreensão de que, apesar das tendências virem para todos, cada um pode fazer um uso diferente dela. Óbvio que o centro da marca é a venda de produtos, mas será primordial que o consumidor enxergue a empresa como parte da sociedade, com um olhar sobre as questões do entorno da mulher, que passam pela saúde, segurança, liberdade, etc. A bio-sustentabilidade, sem dúvida, será um fator muito importante e deve ser um compromisso em toda a cadeia de valor. Vejo a construção de relações pessoais com as marcas, com cada pessoa se relacionando com a sua marca de beleza.