No filme “Ela”, de 2013, o personagem Theodore, interpretado por Joaquin Phoenix, se apaixona por sua assistente virtual, Samantha, cuja voz é da atriz Scarlett Johansson. A narrativa mostra um homem solitário que, após adquirir um sistema operacional que organiza a sua rotina, vivencia uma história de amor. Passados cinco anos da estreia do filme, que ganhou Oscar de melhor roteiro original, os assistentes virtuais do mundo real ganham cada vez mais um tom natural, não só na voz, mas na maneira em que atuam. A humanização da interação é uma das tendências trazidas pela inteligência artificial, especialmente pela evolução das tecnologias cognitivas, que são inspiradas na forma como o homem entende, aprende, interage e raciocina. Recentemente, o Google demostrou uma nova versão de um assistente virtual que faz ligações e marca compromissos de uma maneira muito familiar e próxima do humano, inclusive usando expressões como “hum-hum”, numa espécie de feedback empático ao se comunicar. A apresentação arrancou palmas e gritos da plateia que viu a nova ferramenta ao vivo, no início deste mês.

“O desafio é deixar a inteligência artificial mais parecida com a natural, e isso requer treinamento de máquina. Quanto mais os sistemas interagem com o homem, mais eles aprendem. As tarefas repetitivas estão sendo entregues, de fato, a esses robôs pela eficiência que têm. Assim, o ser humano passa a se concentrar em questões que não são corriqueiras”, afirma o diretor acadêmico da Fiap, Wagner Sanchez.  Uma pesquisa realizada em 2017 pela PwC com 500 executivos de negócios dos Estados Unidos mostrou que 72% dos entrevistados já usavam assistentes virtuais. Entre os pesquisados, 34% dedicavam o tempo livre originado pela ajuda dos robôs aos pensamentos mais profundos e à criatividade.

Nama_Rodrigo-Scotti_423x302“Precisamos ensinar a máquina a se expressar naturalmente. Esse é um papel que tem muita observação do comportamento humano e de como as pessoas se relacionam, e que envolve colocar melhorias no processo sem perder a objetividade” – Rodrigo Scotti, CEO da Nama

Para o CEO da Nama, Rodrigo Scotti, esse é o momento de uma segunda onda de interação entre homem e máquina, que engloba a lapidação do contato. Segundo ele, agora, não se trata de uma questão de tecnologia, mas sim de como é possível melhorar a experiência do usuário e aprimorar a relação. “Precisamos ensinar a máquina a se expressar naturalmente. Esse é um papel que tem muita observação do comportamento humano e de como as pessoas se relacionam, e que envolve colocar melhorias no processo sem perder a objetividade. O robô está ali para resolver um problema e não só para conversar”, enfatiza o líder da Nama, que é uma startup com um sistema próprio de processamento de linguagem natural e machine learning.

Scotti complementa que o cenário atual também está atrelado à criação de empatia da máquina com o público por meio de feedbacks mais espontâneos. A forma como o novo assistente virtual do Google interage em suas ligações é um exemplo disso. Dentro da Nama, a criação do chatbot do Magazine Luiza incluiu um trabalho de tornar as interações mais naturais. O CEO explica que o desafio foi manter as características e o tom de comunicação da personagem Lú, que já atuava em outros canais da empresa. No trabalho, a equipe da startup transpôs a personalidade da atendente para o chatbot, criando interações que usavam o português do dia a dia, por exemplo. “Realizamos um desenho da experiência levando em conta o tom de voz da marca, mostrando aos usuários que estavam interagindo com algo que os entendia e os ouvia, e que era mais próximo deles do que um serviço duro e burocrático de call center”, comenta Scotti.

Dar nomes aos assistentes virtuais e aos chatbots é uma das maneiras encontradas pelas empresas para criar uma interação mais próxima do usuário. Assim como o Magazine Luiza, que tem a Lú, o Bradesco atua com a Bia; o Poupatempo com o Poupinha, a Leroy Merlin com a Lia; a MRV com a Maria Rosa e o Banco Original com a Ori. Paralelamente, companhias como Google e Amazon contrataram roteiristas, escritores de comédias e até poetas para suas equipes com a intenção de trazer um caráter mais amigável e humano às máquinas. “Para criar conteúdo engajador é necessário ter um time diversificado, com atribuições diferentes, que trará uma pluralidade e a criatividade”, comenta Scotti.

Ogilvy_Daniel-Martins_423x302“A tecnologia em si pouco importa para os anunciantes porque, no fim do dia, o que eles precisam é levar relevância, ser melhor percebidos e entregar mais utilidade aos seus consumidores. A inteligência artificial não é um fim, mas sim o meio para ser mais criativo na essência” – Daniel Martins, diretor de operações do Cognitive Studios da Ogilvy

Segundo o diretor de operações do Cognitive Studio da Ogilvy Brasil, Daniel Martins, é possível notar as diferenças entre os perfis dos assistentes virtuais. “A Alexa, por exemplo, é mais direta ao ponto; já com o Google, que tem um histórico de entender de busca, existe uma conversa maior”, afirma Martins, ao acrescentar que a experiência gerada a partir de contatos como esses é muito mais profunda do que colocar a URL para entrar em um site. Para o diretor, a tendência é de que a naturalidade das interações cresça ainda mais em função do aumento da navegação por interfaces de voz.

Criado há um ano, o Cognitive Studio trabalha no desenvolvimento de ideias criativas com inteligência artificial – entre os cases estão “A voz da arte”, feito para IBM, e Ricky Brasil, produzido para a Forbes – mas também com soluções que melhoram a entrega da agência como negócio, segundo o diretor. Recentemente, a Ogilvy realizou uma joint venture com a Nexo, que é uma consultoria de inovação e tecnologia, justamente para potencializar as frentes de atuação e criar escala. Martins diz que existe uma aceitação maior por parte das marcas quando há um entendimento sobre a eficiência e inteligência trazidas pela área. “A tecnologia em si pouco importa para os anunciantes porque, no fim do dia, o que eles precisam é levar relevância, ser melhor percebidos e entregar mais utilidade aos seus consumidores. A inteligência artificial não é um fim, mas sim o meio para ser mais criativo na essência”, diz.  Ele conta que hoje já existe demanda para projetos mais simples, como o desenvolvimento de chatbots, mas também para iniciativas com robustez envolvendo um impacto maior no negócio dos clientes.

Um levantamento do Gartner aponta que, até 2020, 25% das operações e suporte ao cliente terão tecnologia de assistentes virtuais ou chatbots em seus canais de engajamento. De acordo com o empresa, essas soluções vêm sendo implementadas para lidar com os contatos dos consumidores, cada vez mais digitais, em sites, aplicativos móveis e de mensagens instantâneas, além das redes sociais. Todo esse processo de evolução da tecnologia é sustentado por melhorias no processamento de linguagem natural, aprendizado de máquina e capacidades de correspondência de intenção.

Volks_Fábio-Rabelo_423x302“Os assistentes de voz serão cada vez mais inseridos na rotina das pessoas. Temos uma robusta estratégia que foi iniciada com o manual cognitivo do Virtus. Em poucos meses já possuímos milhares de usuários e com 100% de aprovação. Os comentários críticos se referem apenas à inclusão de outros modelos de carros, algo em que já estamos trabalhando”
Fábio Rabelo, gerente executivo de digital e novos modelos de negócios da Volkswagen na América do Sul

Recentemente, a Volkswagen passou a oferecer aos seus clientes um aplicativo munido de inteligência artificial com o conteúdo dos manuais dos veículos Virtus e Tiguan Allspace. Chamada de Meu Volkswagen, a solução, que usa processamento de linguagem natural e machine learning, responde a questões sobre o carro, como, por exemplo, a melhor forma de instalar a cadeirinha de transporte de crianças ou realizar o espelhamento do celular. A interação pode ser feita por escrita, voz ou fotografia. “O uso desse tipo de plataforma está em evolução e certamente será muito maior. Os assistentes de voz serão cada vez mais inseridos na rotina das pessoas. Temos uma robusta estratégia que foi iniciada com o manual cognitivo do Virtus, o primeiro carro do mundo a contar com essa tecnologia. Em poucos meses já possuímos milhares de usuários e com 100% de aprovação. Os comentários críticos se referem apenas à inclusão de outros modelos de carros, algo em que já estamos trabalhando”, afirma o gerente executivo de digital e novos modelos de negócios da Volkswagen na América do Sul, Fábio Rabelo.

Segundo o executivo, o assistente virtual faz parte de uma estratégia de quatro fases. “Estamos ainda na primeira; temos uma visão integrada e um planejamento de soluções para o uso desse tipo de ferramenta. Dentro dele, teremos diversos serviços e funcionalidades que melhorem e facilitem a vida das pessoas”, afirma Rabelo.  O emprego desse tipo de solução é, portanto, um passo inicial dentro de um segmento com grande potencial de aplicação de tecnologias de inteligência artificial, incluindo, inclusive, os carros autônomos. Fora do Brasil, a Volkswagen já apresentou um protótipo de um veículo que pode acelerar, frear e controlar a direção de forma automática.

Evolução da tecnologia

Machine learning e processamento de linguagem natural, soluções bastante presentes nos chatbots, são algumas das tecnologias cognitivas abaixo do guarda-chuva de inteligência artificial, que incluem também visão computacional, processamento de áudio, deep learning, entre outras. O início dos trabalhos de IA datam a década de 1950. “Começamos com a árvore de decisão, depois evoluímos para resolução de problemas mais complexos (máquina de Alan Turing), em seguida para a criação de robôs com capacidades de decisões previamente definidas. Agora iniciamos uma fase em que várias informações são analisadas para identificar tonalidade, sentimentos e intenções para que depois seja tomada uma decisão com alto grau de propensão. Associamos esta última etapa a robôs que conseguem, por meio de sensores, realizar movimentos e interações semelhantes à de um ser humano” explica o líder de Watson Marketing da IBM, Éber Gustavo Gonçalves da Silva.

“Existe uma corrida muito clara entre os grandes players de tecnologia para identificar quem vai ser o provedor de inteligência artificial”, diz Wagner Sanchez, da Fiap. Gigantes como Google, Facebook, Amazon, Apple, SAP, Oracle, Microsoft e IBM, além de startups de todo o mundo, mergulham de cabeça nesse universo. A IBM, por exemplo, tem investido cada vez mais no Watson, sua plataforma de serviços cognitivos na nuvem (veja box), enquanto a Microsoft aposta no Azure.

Aliás, a empresa de Bill Gates e o Publicis Group apresentaram, na última quinta-feira, a Marcel, uma plataforma de inteligência artificial e serviços cognitivos para os funcionários do grupo francês. Segundo comunicado, a Marcel irá “acelerar a transformação da organização de uma holding para uma plataforma, criando uma força de trabalho de 80 mil colaboradores sem fronteiras e fricção”. A iniciativa, que motivou, inclusive, a ausência do Publicis Group no Festival de Cannes do ano passado, é focada em quatro pilares: conhecimento, conectividade, oportunidade e produtividade. Lançada inicialmente como um aplicativo mobile, a plataforma de IA está sendo testada por uma equipe de cem usuários. Em junho, será apresentada uma versão beta para mil pessoas, que fornecerão feedback para ajudar a refinar a ferramenta. A meta é de atingir 90% do total de colaboradores até 2020.

IBM desmistifica a imagem de supercomputador do Watson

Os negócios envolvendo inteligência artificial (IA) crescem em ritmo acelerado, a exemplo da geração de dados e da evolução das tecnologias. Gigantes como Google, Facebook, Amazon, Apple, SAP, Oracle, Microsoft e IBM, além de startups de todo o mundo, mergulham de cabeça nesse universo. A IBM, por exemplo, prevê que, até 2025, haverá uma oportunidade de mercado de cerca de US$ 2 trilhões para aplicações cognitivas. Não é à toa que mais de mil pesquisadores da companhia norte-americana trabalham na área. Faz menos de uma década, no entanto, que a principal iniciativa da empresa nesse segmento, o Watson, foi apresentada oficialmente, embora já tivesse em desenvolvimento desde 2004. Atualmente, a IBM desmistifica a imagem do Watson como um supercomputador e o posiciona ainda mais como uma plataforma de serviços cognitivos na nuvem.

“Há ainda um grande mal-entendido sobre o que é o Watson. A entidade Watson inexiste, ele é uma base de serviços na nuvem”, disse o diretor de marketing e comunicação da IBM Brasil, Mauro Segura, na última edição do evento ProXXIma, que ocorreu no início deste mês. A tecnologia veio a público em 2011 em um programa de perguntas e respostas de sucesso nos Estados Unidos, o Jeopardy, no qual o Watson venceu dois dos maiores campeões da atração. Na época, o sistema, que foi treinado com diversos conteúdos, incluindo toda a Wikipedia, lia textos e respondia a questões. Hoje, a plataforma reúne uma série de serviços de IA baseados em cerca de 50 tecnologias subjacentes.

“Os sistemas de inteligência artificial têm quatro características: aprendem continuamente e acumulam conhecimento; entendem diversas categorias de dados não-estruturados – texto, imagens, sons, linguagem –; interagem de forma natural, ou seja, enxergam, falam, ouvem; e também conseguem extrair ideias e formular hipóteses a partir do cruzamento de dados”, explicou Segura. A aplicação das tecnologias cognitivas vem sendo realizada em diversos segmentos, desde o financeiro, passando por indústria, telecomunicação, saúde, entre outros.

O marketing também está se movimentando rumo ao uso de inteligência artificial. Não só para trabalhar com personalização avançada de relacionamento com o consumidor, mas também para aumentar a eficiência da operação da área. O estudo “State of marketing”, realizado no ano passado pela Salesforce com 3.500 líderes globais de marketing, incluindo o Brasil, apontou que, por aqui, 49% dos entrevistados já usam inteligência artificial, seja de forma intensa ou limitada. Outros 35% informaram que estão testando ou planejando utilizar tecnologias ligadas à IA até 2019.

Atenta ao potencial da área, a Ogilvy lançou, no ano passado, o Cognitive Studio, que além de aliar criatividade com tecnologia, busca melhorar a entrega de seus projetos com o emprego de IA. Aliás, foi a partir do relacionamento com a conta da IBM, sua cliente global, que a agência ingressou de forma mais profunda no universo das tecnologias cognitivas. “Esse era um tema que tinha total sinergia com o que já fazíamos para a IBM, ou seja, já possuíamos dentro de casa conhecimento, profissionais e processos para dar um pouco mais de forma ao modelo e ir para o mercado”, conta o diretor de operações do Cognitive Studio, Daniel Martins. Hoje, o estúdio do Brasil é uma das três principais iniciativas de computação cognitiva e inteligência artificial do mundo, dentro da rede da Ogilvy.

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