Por: Bárbara Sacchitiello e Thaís Monteiro
O israelense Yuval Harari, autor do best-seller Sapiens: Uma Breve História da Humanidade, coloca a evolução cognitiva como uma das principais transformações que tornaram o ser humano dominante no planeta Terra. Mais do que pensar, ao articular ideias e se comunicar com seus semelhantes, o homem tem uma capacidade inexistente em outras espécies: acreditar em coisas que não existem. O ato de contar histórias, construir mitos e, a partir deles, conceber um universo ficcional em paralelo à realidade foi elemento essencial para a formação e a organização da sociedade e para a construção do mundo como o conhecemos. A humanidade evoluiu muito, mas nossa necessidade de histórias, para ouvir ou para contar, se mantém há milhares de anos.
O avanço tecnológico, comportamental e social permite que essas narrativas cresçam exponencialmente e, com elas, uma indústria pujante e altamente tecnológica. Algoritmos já trabalham, por exemplo, para entregar ao público o quê, supostamente, ele quer assistir. Algumas empresas têm investido na criação de narrativas interativas. Esse recurso, típico dos games, começou a ganhar relevância em conteúdo audiovisual entre no final de 2018, quando a Netflix lançou o filme Bandersnatch, derivado do universo Black Mirror, série que aborda a complexa relação entre seres humanos e tecnologia. Em abril deste ano, a plataforma disponibilizou o longa Você Radical, também interativo, e possui produções infantis com a mesma tecnologia.
Seguindo essa tendência, no primeiro semestre deste ano, o YouTube promoveu Ben Relles, antigo chefe de programação não-roteirizada do YouTube Originals, para comandar a área de inovação da plataforma, divisão que não existia até então. De acordo com a revista Variety, uma de suas funções será integrar ferramentas interativas para criar maneiras de o usuário interagir e participar do conteúdo.
A realidade brasileira não fica tão distante. Para a série Detetives do Prédio Azul, produzida pela Conspiração Filmes, o público pode escolher o final de alguns episódios por meio dos perfis das redes sociais do canal Gloob. “O espectador mudou de papel. Antes ele era meramente passivo. Hoje ele tem mais poder, acabou ditando uma nova estrutura, agora é um agente ativo, seja escolhendo o que assistir ou interagindo com o conteúdo”, afirma Renata Brandão, CEO da Conspiração.
Na perspectiva de Fernando Palacios, especialista em narrativa transmídia e fundador da Storytellers Brand’n’Fiction, a interatividade é uma resposta às empresas que buscam alto engajamento, o que justifica o sucesso da indústria dos games frente às do cinema e da música. Não por acaso a Netflix declarou, em um de seus relatórios corporativos deste ano, o game Fortnite como seu principal concorrente. Segundo a consultoria SuperData, o game pode ter chegado a US$ 2 bilhões em receita no final do ano passado. “Ao ‘criar o que quer ver’ ou ao menos ‘conduzir a narrativa para onde prefere’, a audiência se sente protagonista e fica muito mais engajada”, afirma Palacios.
O limitador do crescimento das narrativas interativas é o alto investimento. Segundo o especialista, o roteiro de um filme tem cerca de cem páginas, enquanto o de um game possui de duas a três mil páginas devido aos múltiplos caminhos que a história percorre, ao sabor da decisão do jogador. “A cada ramificação de interatividade, o investimento aumenta exponencialmente e nem todo mundo será capaz de bancar produções assim. No entanto, não há dúvidas de que as narrativas interativas devam crescer nos próximos anos”, prevê. Palacios também aposta no surgimento de startups de conteúdo numa corrida para achar uma combinação que denomina “autoridade artificial”, com estratégia de inteligência para criar roteiros interativos, engajadores e emocionantes.
Vida sem grades
Narrativas com múltiplos desdobramentos são reflexo da multiplicidade de opções à disposição dos consumidores em diversos segmentos. As próprias plataformas de streaming e seu modelo de negócio são consequência disso. “O timing das histórias mudou completamente. As tecnologias alteraram a lógica do consumo”, afirma João Daniel Tikhomiroff, fundador e sócio-diretor da Mixer Films. “Antes, recebíamos uma curadoria pronta e definida das opções que tínhamos para nos entreter. Hoje, ficamos livres para selecionar o que quisermos. Vejo a saída da grade televisiva para o consumo sob demanda como o marco dessa transformação. Literalmente, o consumidor se livrou das grades.”
As novas opções de distribuição de conteúdo audiovisual trouxeram outro conceito de liberdade de consumo de entretenimento. “Hoje temos 200 ou 300 opções para consumir conteúdos audiovisuais, seja novela, longa metragem, games, além dos microentretenimentos que também precisam ser considerados nesse novo contexto”, destaca Hugo Janeba, CEO e sócio-diretor da Mixer, citando formatos como GIFs e memes num conjunto de conteúdos à disposição para entreter o público. “Haverá, em algum momento, a limitação do quanto as pessoas irão gastar, tanto em termos de dinheiro como de atenção, para consumir essa grande quantidade de conteúdo. Para ganhar espaço nessas escolhas, o denominador comum do sucesso para qualquer veículo, plataforma ou produtor de conteúdo sempre será a qualidade.”
A demanda por plataformas de streaming ainda é alta, sobretudo num mercado com oportunidades de crescimento como o brasileiro. Mas começam a surgir dúvidas sobre a extensão desse potencial. Assim como ocorreu com a TV paga há quase 30 anos, que deu muito mais opções de canais do que a televisão aberta, as pessoas passaram a ter diversas assinaturas de serviços de streaming para suprir suas necessidades de lazer. Netflix, Globoplay, Prime Video, Play Plus, YouTube, Apple TV+ são apenas algumas das plataformas ligadas a grandes players que concorrem nesse mercado — sem contar marcas de nicho ou independentes. Será possível a coexistência de tantos players disputando a atenção do consumidor?
Eldes Matiuzzi, CEO da Telecine, acredita que o excesso de conteúdo causará a saturação em algum momento. Segundo ele, terá lugar mais privilegiado quem conseguir, mais do que entreter, entregar curadoria e serviço de valor agregado. “Há espaço no Brasil, em média, para três a quatro serviços de streaming na carteira do consumidor. O Netflix já tem seu lugar garantido e todos os entrantes querem estar lá”, diz. Eldes reforça a importância do uso de tecnologia para oferecer o conteúdo certo: “Quando eu entro em streaming de música, raramente procuro algo no browse. Eu vou pelas recomendações. E essa personalização só ocorre com muitos dados e algoritmos”.
O algoritmo pode ser um forte aliado dos produtores de conteúdo, se utilizado de forma inteligente, aponta Lucas Herdy, coordenador de operação digital da VIU Hub, da Globosat. Segundo ele, o uso de dados pode ajudar o criador a “identificar o que a plataforma quer, o que está alinhado com os seus objetivos, sua capacidade de produção e o que o público quer assistir. Quando isso tudo está alinhado, o canal só tende a crescer. Acrescento ainda que é essencial testar, testar e testar, sempre de olho nos dados”.
NOW
• EXPANSÃO MULTITELA E NARRATIVAS TRANSMÍDIA• INTEGRAÇÃO DE ENTRETENIMENTO PASSIVO COM EVENTOS FÍSICOS
• EXPERIÊNCIAS IMERSIVAS EM AMBIENTES FICCIONAIS EM VR E AR
• INTERATIVIDADE NO CONSUMO DE CONTEÚDO
• COMBINAÇÃO ENTRE CONTEÚDO SOB DEMANDA E CONSUMO LINEAR
• DADOS E ALGORITMOS ORIENTANDO RECOMENDAÇÃO DE CONTEÚDO
• PESQUISAS DE CONSUMO FORNECENDO INSIGHTS PARA PRODUÇÕES
• ANUNCIANTES, VEÍCULOS E ESPECTADORES TRABALHANDO EM COCRIAÇÃO
NEXT
• INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL CRIANDO IMAGENS E SONS• AUDIOVISUAL E MÚSICA QUE RESPONDEM AO HUMOR DO PÚBLICO EM TEMPO-REAL
• BIG DATA ORIENTANDO A CONCEPÇÃO DE CONTEÚDOS
• TECNOLOGIAS 5G ACELERANDO RENDERIZAÇÃO, EDIÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE CONTEÚDO
• AUTOMATIZAÇÃO DE FERRAMENTAS TÉCNICAS, COMO CAPTAÇÃO DE IMAGENS, MIXAGEM, FOTOMETRIA
Sem fórmula
A evolução de ferramentas tecnológicas e o crescente investimento em pesquisa e análises de dados têm facilitado o trabalho de empresas de produção e distribuição de conteúdo, como a Endemol Shine. Esses recursos, porém, não são suficientes para prever variáveis de comportamento e consumo, segundo Juliana Algañaraz, CEO da operação no Brasil. “Hoje, praticamente todas as produções que vemos no mundo são baseadas em dados de consumo e de comportamento. Temos orientações para compreender que tipo de conteúdo as pessoas gostam e quais formatos tendem a ser mais aceitos. Mas o fator humano sempre será o ingrediente imprevisível dessa fórmula. Uma pessoa, hoje, pode assistir a um reality, por exemplo, e adorar aquele conteúdo. Mas se ela for exposta ao mesmo programa em outro momento, quando estiver com o humor diferente, a reação pode não ser a mesma. A tecnologia auxilia, mas nunca será possível encontrar uma fórmula certeira na produção do entretenimento”, afirma.
Para a executiva, é essencial explorar a multicanalidade no sentido de tentar satisfazer diferentes momentos de consumo. “Já há algum tempo assistir a um programa na TV ou a um filme de que se gosta muito não satisfaz mais. A demanda das pessoas por um conjunto de experiências conectadas ao conteúdo cresce bastante. A exibição de um episódio de Masterchef, por exemplo, é somente um dos pontos de contato que o espectador tem com aquele conteúdo. Para a experiência ser completa, ele precisa acompanhar os comentários na internet, ter a opção de adquirir os utensílios mostrados nas provas e estar, por todas as telas, conectado àquele universo”, diz Juliana.
De todo modo, análise de dados, pesquisas de consumo e maior entendimento da jornada do consumidor prometem tirar um pouco das incertezas do processo. A Globosat utiliza muitos estudos de comportamento. Um dos achados é que, nesse novo cenário, a companhia tem trabalhado para individualizar a experiência do conteúdo sem deixar de lado as ofertas de distribuição em massa. “A forma como as pessoas serão impactadas tanto pelo conteúdo de entretenimento como também pelas marcas e anunciantes será bem mais inteligente e contextualizada”, afirma Manuel Falcão, diretor de marketing da programadora. “Diversas pessoas consumirão o mesmo conteúdo, mas serão impactadas e estimuladas de maneira diferente. Mais para a frente, podemos chegar a um modelo em que uma audiência diversa assista ao mesmo conteúdo, mas com a opção de ter narradores e apresentadores diferentes, por exemplo.”
Apesar disso, Manuel não acredita — assim como Juliana da Endemol — que será possível produzir entretenimento de sucesso integralmente baseado em dados. “O dado será um indicador forte, mas nunca o protagonista. Hoje, ele tem um papel importante por ser uma nova tecnologia, mas em algum momento, vai se tornar commodity. Se não tivermos, necessariamente, um produto de qualidade, nada sobreviverá”, afirma.
Ambiente físico
General manager das operações da Viacom no Brasil, Mauricio Kotait acredita que o futuro do entretenimento também passa pela combinação da oferta de diferentes experiências de conteúdo, seja na TV linear, no digital ou no ambiente físico. “O entretenimento sempre foi calcado na emoção e na idolatria. Quando as pessoas gostam de um programa, uma música ou um artista, o consumo audiovisual de seu conteúdo não é suficiente. Elas querem vestir suas roupas, usar seus produtos e se sentir no mesmo ambiente no qual essas pessoas ou aquele conteúdo faz parte”, diz Kotait. Segundo ele, essa nova perspectiva tem alterado o modelo de operação da empresa internacionalmente. “Ao trabalhar essa estratégia no Brasil, descobrimos algo interessante que é ver uma nova geração, que já nasceu conectada, deixar o celular e aceitar sair de casa para vivenciar uma experiência física com nosso conteúdo, seja com Meus Prêmios Nick ou com o MTV Miaw”, descreve Kotait, citando dois dos diversos eventos realizados pela Viacom.
A estratégia segue a uma nova lógica de negócios que se impõe a toda produção de conteúdo: se pulverizar por diversas telas e lugares, ao alcance do consumidor em todos esses pontos de contato. “O conteúdo acaba sendo quase infinito, pois ele tem a possibilidade de ser espalhado em diferentes locais. O filme sai do cinema e vai para o canal de TV, para a plataforma de streaming e para a locadora virtual da operadora. O mesmo conteúdo pode dar origem a uma nova série na TV ou a uma linha de produtos licenciados. É necessário estar em qualquer espaço, seja virtual, como uma plataforma de streaming, ou físico, como um shopping”, diz Kotait.
Não por acaso, muitos conglomerados de mídia têm testado o fornecimento de conteúdo por vias alternativas. No Brasil, canais como Fox, HBO, Telecine e Premiere são alguns que já distribuem diretamente ao consumidor. Apesar disso, ainda mantém estratégias também em televisão linear, em acordo com operadoras.
Há quem teste modelos de distribuição de conteúdo de canais pagos, mas sem depender de operadoras, como a Guigo TV. A empresa oferece a assinatura de canais tradicionais de TV via internet, como Disney, ESPN, Band, Cultura, Bloomberg, BBC World News e Al Jazeera. “As pessoas querem preços mais acessíveis, mobilidade e pouca burocracia. O tamanho do mercado de pirataria no Brasil nos mostra que existe demanda pelo conteúdo, mas que é reprimida por causa do preço”, conta Renato Svirsky, fundador e CEO da Guigo TV. “A internet é o meio de comunicação da atualidade, seja para vídeo, música, telefonia, notícias. Decidimos implementar o projeto porque achávamos que era bom para o usuário e para os produtores de conteúdo. É uma situação de ganha-ganha.”
A médio e longo prazos, a conexão 5G também impactará a produção e distribuição de entretenimento em vários formatos. Além de aumentar a velocidade de conexão mobile e diminuir sua latência, a rede de quinta geração vai facilitar o acesso a vídeos em 4K e 8K, conteúdos de realidade virtual e aumentada e games multiplayer. Do ponto de vista de produção, a rede de quinta geração impactará os processos de players de entretenimento. Elementos como a pré-visualização em tempo-real do conteúdo filmado, transmitido via 5G e renderizado na nuvem, vão reduzir drasticamente o tempo de produção de animações, games e conteúdo em realidade aumentada, por exemplo. Os sets de filmagem, por sua vez, tendem a ser cada vez mais automatizados, com recursos como captação remota de imagens, captura volumétrica de objetos 3D e presets de iluminação, tudo conectado a sistemas digitais, câmeras-robôs e drones.
Novas e antigas janelas
Nesta semana, o podcast Next, Now coloca no ar o episódio sobre entretenimento. Felipe Braga (na foto, à esq.), sócio e diretor da produtora Los Bragas, e Sóvero Pereira, head de conteúdo do Telecine, abordam a forma como a transformação na lógica de consumo têm impactado os formatos de distribuição e modelos narrativos. As produções de séries e conteúdos para plataformas digitais e a manutenção das janelas tradicionais de distribuição também estão na pauta. O episódio já está disponível nas plataformas Apple Podcasts, Deezer, Google Podcasts e Spotify.
Algoritmo dançante
Ainda antes do audiovisual, o uso de algoritmos para direcionar o consumo já tinha demonstrado força na indústria musical. Em plataformas de streaming como Deezer, Spotify e Tidal, são utilizados para recomendar músicas e artistas aos usuários baseados em seu histórico de consumo. A questão hoje é a introdução dessa inteligência artificial na produção de música em si. Em 2016, o Laboratório de Pesquisa CSL, da Sony, noticiou a criação do que seria a primeira música composta e produzida por inteligência artificial. Daddy’s Car, um som pop que lembra canções dos Beatles, foi desenvolvido por meio do sistema Flow Machines e auxílio do músico francês Benoit Carré, que finalizou o material. Em janeiro de 2018, o Laboratório, junto com Universidade Pierre e Marie Curie, em Paris, lançou o álbum Hello World, primeiro disco criado com recursos de inteligência artificial com Benoit Carré como diretor artístico. Em março deste ano, o Warner Music Group assinou contrato com a Endel, empresa dona de um algoritmo capaz de criar músicas em tempo real segundo o humor do ouvinte e controlar a ansiedade. O contrato prevê a criação de 15 álbuns ainda este ano.
Para Rebeca de Moraes, head e fundadora da consultoria de tendências Trop.Soledad, esse tipo de produção ja é resultado da transformação total na forma como as pessoas consomem música. “A relação das pessoas com a música, hoje, passou a ser definida pelo humor do ouvinte”, .destaca. Fábio Santana, gerente de marketing de artistas na Deezer Brasil, diz que o uso de algoritmos para criar música já é realidade. “A ideia não é substituir produtores, mas tornar o processo mais acessível e alternativo. É difícil saber se essas tecnologias podem aprender música da mesma forma que um humano, mas já é uma opção viável para diversos músicos”, afirma, contextualizando que, para alguns artistas, a tecnologia minimiza questões como distância e tempo de produção.
Presente na edição deste ano da Rio Creative Conference (Rio2C), François Pachet, diretor de pesquisas tecnológicas do Spotify, anunciou que a plataforma está investindo em ferramentas capazes de compor músicas junto com humanos. O Spotify é parceiro do laboratório da Sony, que criou a música Daddy’s Car. “Quando eu era mais jovem, costumava ouvir a álbuns inteiros do início ao fim. Hoje, jovens pulam músicas o tempo todo e a média de permanência em cada música é de um a dez segundos e isso terá consequências inéditas na história da música”, falou Pachet durante a conferência.
“Esses elementos se tornarão mais comuns e naturais conforme vão se desenvolvendo e ficando mais baratos e eficientes. Já é uma realidade do presente e no futuro próximo veremos uma evolução. Diversos artistas já começaram e vão continuar a experimentar essas diversas opções”, prevê Santana, do Deezer. Na sua opinião, a tecnologia não restringe a criatividade e sim abre portas para os artistas serem mais criativos e usarem novas ferramentas para experimentar e criar sons nunca ouvidos antes. “Há artistas e produtores que têm sido extremamente bem-sucedidos adaptando essas tecnologias em seu trabalho, como Björk e Brian Eno”, exemplifica.
“O algoritmo traz informações que impactam o audiovisual como um todo, seja mapeando onde o público está ou do quê ele gosta” – Renata Brandão, CEO da Conspiração Filmes
Para além da tecnologia, Rebeca acredita que diferentes gêneros musicais vão se misturar mais e artistas vão fortalecer parcerias. “As novas gerações se interessam muito menos por shows que as anteriores, pois para eles, sair de casa precisa ser um evento, algo muito diferente do que você vê na balada ou em casa. Por isso o sucesso dos festivais, que reservam uma diversidade de experiências, entre shows, atrações, bebidas, lounges, brindes etc”, afirma.
A evolução do conteúdo de entretenimento é, acima de tudo, um forte indicador de tendências sociais, diz Rebeca. “Esse mercado é hoje tanto receptor quanto emissor de comportamentos emergentes. Serviços de streaming mudaram profundamente nosso consumo de conteúdo, pautado basicamente no desejo do usuário. E quando se está em dia com o desejo do usuário, se está também em dia com o espírito do tempo, com as tendências”, diz.
*Colaborou Teresa Levin
O vai e vem do cinema
Até mesmo a mais tradicional forma de consumo audiovisual, o cinema, se transforma pelas novas tecnologias. Apesar de todo o impacto que a inovação traz à experiência de consumo, os fatores emocionais ainda prevalecem nesse contexto. “Em qualquer tempo, as pessoas vão demandar conteúdos que as tirem de sua zona de conforto e que as conectem, sempre, com seu lado humano”, diz João Daniel, fundador e sócio-diretor da Mixer Films. “Estamos há alguns anos com uma leva muito forte de produção de filmes de super-heróis. Mas ao analisarmos o Homem-Aranha, Thor, Pantera Negra e outros personagens, vemos seres humanos, com erros, angústias e conflitos. É isso que atrai as pessoas. E continuará, sempre, sendo o pilar principal de atração por um conteúdo.”
Renata Brandão, CEO da Conspiração Filmes, concorda que a produção cinematográfica ainda é um dos espaços em que a arte, a livre expressão e a abstração se sobrepõem a dados e tecnologia. “Quem está mais à frente nessa questão de utilização de dados são as empresas de streaming. Mas, sim, esse tipo de algoritmo, que sugere criar sob demanda, por exemplo, já faz parte do nosso universo, pois traz informações que impactam o audiovisual como um todo, da campanha à produção, seja mapeando onde o público está ou o que o público gosta”, afirma.
A utilização da inteligência de dados pela indústria do cinema também é crescente. Os pesquisadores Michael Lash e Kang Zhao, da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, se empenharam em criar um algoritmo que identificasse os padrões que influenciam no sucesso de bilheteria de um filme. Reunindo informações como orçamento, receita, atores, tema, diretores e data de exibição de cerca de 14 mil longas lançados em território norte-americano de 2000 a 2010, os pesquisadores concluíram que o fator de maior influência na rentabilidade de um filme é o diretor: aqueles que tiveram sucesso de bilheteria no passado têm mais chances de repeti-lo, segundo o estudo. Ter no elenco grandes estrelas pode até gerar uma bilheteria maior, mas não garante boa rentabilidade, pois o custo de contratação é mais alto.
A preocupação em agradar à audiência e correr menos riscos é ilustrada pelo número crescente de remakes e reboots de histórias já conhecidas. A Disney tem se tornado campeã nessa estratégia, graças a franquias como Aladdin, O Rei Leão, Dumbo e Malévola 2. Para Renata, esse resgate de histórias também é resultado de novas possibilidades de contar uma mesma narrativa com diferentes recursos tecnológicos. “Em um contexto de intensa concorrência, cada vez mais o público quer ter certeza do que esperar. Reviver histórias de sucesso ajuda na aproximação de um novo público, além de permitir o diálogo com quem carrega uma memória afetiva dessas narrativas”, diz.