Prever uma lesão em jogadores de futebol; entender que crianças faltam na escola por não ter roupa limpa; conhecer profundamente o comportamento do consumidor; criar uma comunicação assertiva; ter insights para produtos e serviços; melhorar a performance e os processos; desenvolver oportunidades de negócios. Tudo isso é possível graças ao tsunami de dados criado diariamente, um número que já ultrapassa a barreira dos 2,5 quintilhões de bytes. Atualmente, cerca de 80% do que é gerado é considerado não-estruturado (imagens, vídeos, chats), o que significa que ainda são ignorados pelas empresas. A evolução de tecnologias, especialmente as que ficam embaixo do guarda-chuva de inteligência artificial, e da capacidade de armazenamento e processamento permitem que um novo universo se abra para diferentes mercados. Embora muitas companhias já estejam atentas à transformação trazida pelos dados, a implementação de uma cultura analítica baseada nessas informações coletadas ainda está começando. Em paralelo, a atração e retenção de talentos, principalmente dos cientistas de dados e dos profissionais que fazem a integração com o negócio, e a questão da privacidade, são alguns dos desafios impostos à área atualmente.
Para o CEO da inglesa QuantumBlack, Jeremy Palmer, poucas empresas estão usando todo o potencial trazido pela análise do big data. “Os varejistas estão liderando o caminho com o uso de dados de clientes. Há uma enorme oportunidade para todos os setores em função do ritmo das mudanças e da capacidade de fazer mais com dados internos e externos”, diz o executivo, que esteve no Brasil na semana passada para o lançamento da QuantumBlack em solo nacional (veja box). A empresa, que faz parte da McKinsey, é especializada em advanced analytics, e atuará em conjunto com a divisão digital da consultoria no Brasil. No final de 2016, a McKinsey revisitou um estudo de big data lançado cinco anos antes e apontou as áreas de serviços baseados em localização e varejo como as que mais registraram progresso na absorção do potencial de dados e suas análises.
“É a partir do big data que as respostas de perguntas complexas virão”, afirma o cientista-chefe da Cappra Data Science, Ricardo Cappra. Ele explica que é necessário que as empresas pensem no armazenamento de seus próprios dados para não ter de consumir o big data de outras companhias e cair na comoditização. “Big data é a base de tudo o que se fala de novo – inteligência artificial, IoT, algoritmos, programática – sem esses dados qualificados, organizados e estruturados não é possível dar um próximo passo”, diz o fundador da Cappra, que é um hub de conhecimento de dados que mantém um laboratório independente de pesquisa e fomenta uma comunidade global de cientistas. Com base nas demandas recebidas por sua empresa, o profissional avalia que, desde o final do ano passado, houve um aumento do entendimento da importância da cultura analítica. Esse interesse tem relação com a busca por uma melhor performance nos negócios, além do fato de grandes companhias estarem atentas ao ganho de mercado realizado por empresas digitais ou startups que são data driven.
“Usamos a inteligência de dados para fazer comunicações cada vez mais personalizadas e relevantes. Resultados preliminares mostram que, por meio da parceria entre CRM e big data, aumentamos em quase três vezes a qualidade da recomendação para o usuário” – Phillip Klien, diretor de crescimento da OLX Brasi
A OLX, plataforma online de compra e venda com cerca de 7 milhões de usuários diários, atua com uma estratégia voltada aos dados por meio de uma área de tecnologia especializada em big data, que garante a captura, transformação e interpretação dos dados dos clientes. Essas informações se desdobram no marketing, segundo explica o diretor de crescimento da OLX Brasil, Phillip Klien. “A parceria entre marketing e big data proporciona a criação de anúncios dinâmicos e únicos. Em outras palavras, analisando a navegação dos usuários e a sua similaridade com outros que possuem a mesma intenção de compra, construímos de forma automática uma recomendação de produtos que tenham maior chance de despertar o interesse de cada um. Além disso, a área de CRM trabalha a aquisição em algumas categorias baseada em visitantes de outras verticais”, comenta o executivo, ao acrescentar que áreas estratégicas como automóveis e imóveis têm mais de 40% de aquisição vindas das demais categorias da OLX, como moda e beleza, eletrônicos e artigos infantis.
“Usamos a inteligência de dados para fazer comunicações cada vez mais personalizadas e relevantes. Resultados preliminares mostram que, por meio da parceria entre CRM e big data, aumentamos em quase três vezes a qualidade da recomendação para o usuário”, conta Klien.
Especialistas afirmam que, em breve, tecnologias que antes eram pouco acessíveis, como análise de propensão e preditiva, farão parte do dia a dia do marketing. Haverá, por exemplo, uma comunicação hiperpersonalizada em que fatores como propensão de compra e predição de comportamentos serão aplicados para fidelizar clientes.
Na OLX, o big data permite a geração de insights e o cruzamento de informações de hábitos de compra. Recentemente, a empresa impulsionou a vertical de agronegócios por meio da análise de dados. “Percebemos que havia necessidades específicas dos usuários desse segmento. Por isso, nossa estratégia foi fazer alterações no produto baseadas nesses insights e promover a categoria por meio de campanha on e offline. Com essas mudanças, a OLX alcançou a liderança em compra e venda online em máquinas agrícolas”, comenta o executivo.
A Whirlpool, detentora das marcas Brastemp, Consul e KitchenAid, também considera os dados de forma estratégica. Ricardo Cappra conta que há três anos sua empresa iniciou uma parceria para ajudar na implantação da cultura analítica na companhia. A iniciativa envolveu a construção de um datalab; a concepção de modelos de tomada de decisão baseados em ciência de dados para diferentes áreas; apoio na formação do time de cientistas; concepção de algoritmo preditivo para a área de serviços e modelo data driven de clusterização de público para relacionamento multiplataforma. “Essa evolução do projeto fez com que os profissionais, e, consequentemente a empresa, aprimorassem suas habilidades de análise, elevando assim o nível de cultura analítica no negócio”, comenta o cientista-chefe da Cappra.
No ano passado, um outro projeto da companhia com uso de dados, desta vez nos Estados Unidos, conquistou o Grand Prix no Festival de Cannes, na categoria Creative Data. Chamada de “Care Counts”, a ação envolve a instalação de máquinas de lavar e secar roupas em escolas para estudar a conexão entre o acesso a peças limpas e a presença dos estudantes nas aulas, com o objetivo de impactar os alunos com alto índice de absenteísmo. O programa, que está em seu segundo ano, captura e analisa dados por meio de dispositivos instalados em cada máquina. Antes de lavar as peças, os alunos inserem um código que permite rastrear o dia, o horário e a escola de cada lavagem em tempo real. Com isso, já foi possível verificar, dentre outros resultados, que a taxa de participação dos estudantes nas aulas aumentou de 82% para 91%.
“Trata-se da forma mais pura do poder de uma boa análise de dados com um propósito maior. Falamos sempre em mudar o mundo. Vamos deixar então que os dados nos guiem para encontrarmos questões importantes que possam ser solucionadas de forma criativa com o apoio de nossos anunciantes”, escreveu na ocasião Bruno Mosconi. Atual VP de performance e data da AlmapBBDO, Mosconi acredita que, no Brasil, algumas marcas, especialmente as que já trazem a tecnologia e os dados em suas essências, estão preparadas para o emprego do big data estrategicamente. “Naquelas em que isso não está inserido no DNA, fala-se muito sobre os desafios, mas, na prática, ainda é algo incipiente”, comenta.
“Os anunciantes buscam nas agências parceiros de negócios, não só de comunicação, e a forma de discutir isso é dividindo dados. Somado a isso, as tecnologias para extrair insights estão ficando cada vez mais sofisticadas e simples de usar. Quem estiver pronto terá uma vantagem competitiva” – Bruno Mosconi, VP de performance e data da AlmapBBDO
Segundo o VP, do ponto de vista das agências, a grande maioria não está pronta para trabalhar e extrair insights da avalanche de informações trazida pelo big data. Não só por conta do seu poder computacional, mas também pela ausência de profissionais especializados e pela falta de dados diferenciados. “Ainda são poucas as agências que têm acesso aos dados dos anunciantes e aos dos grandes pools de big data, como Navegg e TailTarget, por exemplo”, diz o VP, ao acrescentar que as empresas, atualmente, dependem de parcerias com os gigantes de mídia digital para que gerem insights por meio dos seus big datas. De acordo com ele, o que se vê dentro das agências são áreas de BI voltadas para mídia, mas algumas já começam a usar os dados no planejamento estratégico. Mosconi acredita que a evolução da aplicação de big data ocorrerá mais rápido do que o esperado. “Os anunciantes buscam nas agências parceiros de negócios, não só de comunicação, e a forma de discutir isso é dividindo dados. Somado a isso, as tecnologias para extrair insights estão ficando cada vez mais sofisticadas e simples de usar. Os dois pontos em conjunto farão com que essa realidade aconteça antes do que se imagina. Quem estiver pronto terá uma vantagem competitiva”, diz.
Desafios da área
Não só as agências, mas também empresas já se atentam à necessidade de especialistas de dados em seus times. “Os profissionais de marketing, por exemplo, não apresentam em sua formação básica competências de análise suficientes para vencer o desafio analítico. Por isso, muitos têm buscado se especializar”, afirma o coordenador do MBA em big data aplicado ao marketing da ESPM, Eduardo de Rezende Francisco. A parte técnica voltada ao big data é desenvolvida por equipes de cientistas de dados – profissionais ou times que combinam habilidades de estatística com ciência da computação aplicadas aos negócios.
Um estudo feito pela Glassdoor, uma empresa de recrutamento dos Estados Unidos, apontou que o trabalho como cientista de dados é, em 2018, a melhor opção naquele país, considerando salário, satisfação e número de vagas abertas em sua plataforma. Além disso, esses profissionais têm à disposição hoje um poder computacional sem precedentes, o que permite o desenvolvimento de um trabalho cada vez mais sofisticado. Por aqui, as empresas se movimentam para entender como criar uma equipe voltada à ciência de dados e de que forma ela pode ajudar na tomada de decisão. Segundo Ricardo Cappra, a discussão atual gira em torno de qual é o papel do profissional e como encaixá-lo no negócio.
“Big data é a base de tudo o que se fala de novo – inteligência artificial, IoT, algoritmos, programática – sem esses dados qualificados, organizados e estruturados não é possível dar um próximo passo” – Ricardo Cappra, cientista-chefe da Cappra Data Science
Além da procura por profissionais, a questão de privacidade é um tema em alta quando se trata de big data, especialmente após o recente vazamento de dados de 50 milhões de usuários do Facebook para a consultoria Cambridge Analytica. Para Bruno Mosconi, o caminho passa pela autorregulamentação. “Acredito que o que vai ser muito discutido daqui para frente é o ecossistema de confiança que precisa ser criado entre marcas e consumidores”, afirma. A OLX, por sua vez, possui um time dedicado a garantir melhores práticas sobre o tema na plataforma. “A privacidade dos nossos usuários é muito importante e temos uma política destacada no site que especifica detalhadamente o uso dos dados”, pontua Phillip Klien.
A criação de uma cultura analítica de dados passa também pelo envolvimento das lideranças. “Quando você vai realizar uma transformação com base em analytcs, o primeiro ponto importante é o convencimento do CEO e do comitê executivo da companhia de que big data e sua análise avançada têm um valor significativo. E o segredo disso é tangibilizá-lo”, afirma o sócio da Digital McKinsey, Pepe Cafferata. Francisco, da ESPM, concorda. “A cultura de data driven deve começar pela liderança, que precisa ter consciência de que essa competência lhes falta e é cada vez mais fundamental para ela”, finaliza o coordenador.
McKinsey traz empresa inglesa de análise de dados para o Brasil
Uma empresa inglesa de análise avançada de dados que nasceu a partir da Fórmula 1 acaba de chegar ao Brasil. A QuantumBlack, que faz parte da McKinsey, começou a atuar em solo nacional na semana passada em conjunto com a unidade de digital da consultoria. “Na Fórmula 1, as menores margens são a diferença entre ganhar e perder, e é onde os dados emergem como elemento fundamental de vantagem competitiva. Times de F1 estão focados no desempenho, na atenção aos detalhes e no trabalho em equipe. Esses fundamentos também se aplicam ao mundo dos negócios”, afirma o CEO da QuantumBlack, Jeremy Palmer.
Segundo o executivo, que esteve no Brasil para o lançamento da empresa, o mundo inteiro está começando a se concentrar nos mais recentes desenvolvimentos em inteligência artificial e os seus reflexos tanto para os negócios quanto para a sociedade. O País, claro, está inserido nesse cenário. “Acreditamos que muitas empresas de grande porte no Brasil, tanto públicas como privadas, podem se beneficiar de extrair mais valor dos dados que possuem”, diz Palmer, ao acrescentar que áreas como a financeira e a farmacêutica estão entre os principais focos da empresa.
O sócio da Digital McKinsey, Pepe Cafferata, explica que os trabalhos que a QuantumBlack costuma realizar estão associados com projetos de transformações, ou seja, mais complexos, além de iniciativas ligadas com inovações. Uma área em que a empresa atua é a de esportes. Internacionalmente, a QuantumBlack realizou ações, por exemplo, com times de futebol para prever quais jogadores têm mais propensão a lesões com base em seus históricos, para permitir que iniciativas preventivas fossem tomadas. “Temos projetos globais muito interessantes e, obviamente, queremos fazer a mesma coisa por aqui”, finaliza Cafferata.