Por Amanda Schnaider, Roseani Rocha e Salvador Strano
Se existe uma coisa que há séculos parece não mudar para a humanidade é o prazer pela socialização em torno de uma mesa para comer e beber. Por outro lado, aquilo que se come e a forma como são produzidos os alimentos e bebidas passam por uma revolução. E para além de desafios como criar alimentos e bebidas mais saudáveis e reduzir o impacto ambiental da produção, há novidades que se transformam em intrincados briefings de comunicação. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) estima que até 2050 a produção mundial de alimentos deverá crescer 70% para conseguir acompanhar o crescimento da população, que atingirá nove bilhões de pessoas. Além do desafio de escala, a indústria tem de se adequar aos novos hábitos alimentares dos consumidores, à ascensão das foodtechs e à forma como a população compra seus produtos, que também tem se alterado, com o crescimento da categoria no e-commerce.
“Os consumidores estão demandando saber muito além do produto. Não basta o que a empresa faz, eles querem saber como é feito”, comenta Andrea Mota, diretora de sustentabilidade da Coca-Cola Brasil. Concorda com ela, Carolina Sevciuc, diretora de transformação digital da Nestlé, para quem o consumidor continua sendo o centro das ações, mas não mais como aquele em quem é empurrado goela abaixo qualquer coisa e sim a quem é dado o poder de escolher. Por isso, há cinco anos a Nestlé criou um hub de inovação — a empresa também já via as foodtechs surgindo e se movimentando com mais agilidade e uma comunicação quase em tempo real com o consumidor. Sendo uma empresa gigantesca, com 150 anos, a solução, para continuar à frente, foi começar a trabalhar com startups e scale ups, num processo que culminou com a criação da área que Carolina comanda, focada não apenas em produtos, mas em novos modelos de negócio. “Quando falamos em avenidas de inovação, a beleza de trabalhar numa Nestlé é ter marcas tão fortes e tradicionais conseguindo entregar personalização e não a tecnologia pela tecnologia”, analisa.
André Rapoport, diretor de comunicação, sustentabilidade e RH da Danone avalia que, além da eficiência e produtividade, as empresas precisam se preocupar com as necessidades específicas dos consumidores. “Historicamente, as grandes empresas se preocupavam mais com a escala do que com o consumidor. Porém, hoje o mercado é muito mais segmentado e tem necessidades específicas”, reforça. Em sintonia com esse pensamento, a diretora de sustentabilidade da Coca-Cola afirma que as companhias devem abraçar esse consumidor em constante mudança. “Temos que mudar junto, ouvir e ter agilidade para entregar as inovações e produtos na forma como ele quer”, complementa.
Já Vanessa Brandão, diretora de marcas premium da Heineken no Brasil, ressalta que a tendência no setor de bebidas é acompanhar a maior maturidade dos clientes no que diz respeito aos alimentos. Assim, hoje o consumidor busca rótulos premium em categorias tradicionais, como cerveja. A cadeia produtiva da bebida representa mais de 1% do PIB nacional e é responsável por 14% da indústria de transformação, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Cerveja.
Especializada no segmento premium, a Heineken está oficialmente no mercado brasileiro desde 2011 e, neste ano, o País foi seu maior mercado em volume de vendas. Do início do ano até agora, as vendas cresceram 49% em relação a 2018. “O movimento que tínhamos visto no vinho, também aconteceu com a cerveja. Por isso, o mercado de artesanais cresce muito. Aqui no Brasil, além da Heineken, temos Eisenbahn e Baden Baden. Nos Estados Unidos, temos Lagunitas, que já estamos trazendo para cá”, afirma Vanessa, para quem o refinamento do paladar do consumidor continuará.
Na Nestlé, a orientação de atender as expectativas da sociedade resultou recentemente em produtos como versões de caldos Maggi Equilibrium, com 31% menos sódio, uma opção de Nescau sem açúcar ou adoçante, mas mantendo o sabor do achocolatado, e soluções ainda em fase de teste, como o Chocobot. Neste caso, em uma loja instalada no shopping Morumbi, em São Paulo, o consumidor pode utilizar um robô para personalizar sua caixa de bombons Nestlé e Garoto, escolhendo sabores. Isso só foi possível, por conta de outra experiência da companhia, na linha de produção e distribuição de Nescafé Dolce Gusto. Sendo um business com e-commerce significativo, foi criado no centro de distribuição em São Paulo, um robô que recebe as cápsulas produzidas na fábrica de Montes Claros (MG) — primeira da Nestlé no mundo a ter certificação de Impacto Ambiental Neutro em água, resíduos e emissão de carbono — e faz a combinação que o consumidor quiser entre os 20 sabores de bebidas quentes e frias para personalizar caixas de 50 ou 100 cápsulas. O projeto chamado “Do seu jeito” agora está sendo levado até às papinhas, que podem ser customizadas no Empório Nestlé, loja online em parceria com o Supermercado Now. A Unilever também está empenhada na transformação digital, da produção às vendas; em seu caso, o e-commerce compraunilever.com.br é b2b, com foco em lojistas, mas a multi, em parceria com a Abras, participa da plataforma meumercadoemcasa.com.br, que oferece a pequenos e médios varejistas um canal de venda online ao consumidor final.
NOW
• ALTOS ÍNDICES DE GORDURA TRANS, SÓDIO E AÇÚCAR
• CONSUMO DE PROTEÍNA ANIMAL
• USO MASSIVO DE AGROTÓXICOS
• LARGA UTILIZAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS
• DISTRIBUIÇÃO MASSIFICADA
• VENDA CONCENTRADA EM PDV FÍSICO
NEXT
• PRODUTOS COM MENOS GORDURA TRANS, SÓDIO E AÇÚCAR• CARNES VEGETAIS
• ORGÂNICOS GANHANDO ESCALA
• RACIONALIZAÇÃO NO USO DE RECURSOS NATURAIS
• PREFERÊNCIA POR FORNECEDORES LOCAIS
• PERSONALIZAÇÃO DAS ENTREGAS AO CONSUMIDOR
• E-COMMERCE EM EXPANSÃO
Quanto mais natural, melhor
Além do desafio de aumentar a escala e desenvolver novos produtos, a indústria tem de se adequar aos novos hábitos alimentares dos consumidores, que estão valorizando produtos mais saudáveis e com melhores índices nutricionais. De acordo com a pesquisa Who Cares, Who Does (“Quem se preocupa, quem faz”, em tradução livre), realizada pela Kantar, 68,8% das pessoas preferem alimentos naturais e 45,5%, os orgânicos, na hora de fazer compras. Apesar disso, os consumidores que hoje não optam por esses alimentos dizem que o principal motivo é o preço elevado. “Apesar de estar buscando alimentos orgânicos e naturais, o consumidor não consegue aderir, porque não os encontra acessíveis. O desafio da indústria de alimentos é torná-los acessíveis”, comenta Manuela Bastian, diretora de expert solutions da Kantar.
Reginaldo Morikawa, diretor superintendente da Korin, que produz e comercializa linhas orgânicas e sustentáveis de origem animal e vegetal, avalia que é difícil tornar os alimentos saudáveis acessíveis à maioria dos consumidores e aponta três obstáculos à diminuição dos preços. “A primeira questão é o aumento da escala de produção, que se dá com o aumento do consumo. A segunda é o surgimento de produtos que utilizem matérias-primas orgânicas. E a terceira é o governo brasileiro investir na geração de implementos agrícolas destinados ao orgânico”, explica.
Outro impasse para que os orgânicos se estabeleçam de vez na alimentação dos brasileiros é tornar a produção compatível com o aumento do consumo, de acordo com Reginaldo. “Isso não está ligado à capacidade de produção, mas à capacidade de investimento, pois a maioria da produção desse tipo de alimento vem da agricultura familiar”, complementa o superintendente da Korin.
Com a liberação de um total de 382 registros de agrotóxicos em 2019 pelo Ministério da Agricultura, nível de registros mais alto desde 2005, Reginaldo avalia que o fato pode servir para alertar as pessoas a consumirem produtos orgânicos. “O consumidor adquiriu um olhar mais amigável aos orgânicos ao se sentir incomodado com a liberação de tantos agrotóxicos”, avalia.
Prova de que produzir orgânicos em escala não é fácil são os dois anos de investimentos nos produtores para viabilizar o lançamento do primeiro leite em pó orgânico do Brasil, com a marca Ninho. Segundo Carolina Sevciuc, da Nestlé, o tempo foi necessário para que os produtores pudessem prover essa matéria-prima.
Além do maior interesse por alimentos orgânicos e naturais, o estudo da Kantar aponta os consumidores preocupados com a saúde de outras formas, pois entre as informações mais buscadas nos rótulos estão teor de açúcar, gordura e sódio. “Existe uma conscientização da população; na pesquisa, vemos que as elas estão procurando mais informações no rótulo. Estão buscando pela saudabilidade de maneira geral”, afirma a diretora de expert solutions da Kantar. Atenta a isso, a PepsiCo reduziu o sódio de suas marcas Cheetos e Lay’s, em 45% e 30%, respectivamente. O Toddynho tem 25% menos açúcar, em sua versão normal, e o Toddynho Levinho, leva 35% menos açúcares e 50% menos gorduras totais. Enquanto da linha Kero Coco Kids o açúcar foi tirado totalmente.
Além de Nestlé e PepsiCo, quem tem reduzido o índice de sódio de produtos como a maionese Hellmann’s é a Unilever. Mas Marina Fernie, vice-presidente de marketing da divisão Foods, também aponta a pitada de incoerência no comportamento dos consumidores que eventualmente dificulta o trabalho da indústria. “O paladar do brasileiro é culturalmente diferente, prefere sabores mais fortes, mais doces, muitas vezes. Querem menos açúcar, sal, gordura, mas sem abrir mão do sabor. Se fizer uma mudança mais rapidamente do que ele aceita, também não funciona”, diz a executiva, contando que num movimento global nos molhos que produz, de 2015 para cá, a Unilever já retirou o equivalente a 800 toneladas de sal. A citada maionese Hellmann’s tem, hoje, 30% menos sódio. O ketchup ganhou uma versão com mel.
A empresa, que em 2017 comprou a brasileira Mãe Terra, quer, agora, ajudar a derrubar a história de que orgânicos não são gostosos e democratizar o acesso. Se a Nestlé passou dois anos investindo para desenvolver a cadeia que permitisse a criação de um Ninho orgânico, a Unilever também se ressente, em alguns casos, da falta de cultivo suficiente. Na pegada de fazer o que é bom para as pessoas e bom para o planeta, a empresa tem buscado alimentos mais nutritivos e cultivados de forma sustentável, buscando incluir pequenos produtores na cadeia de fornecimento (tem um código para isso desde 2010), mas ainda enfrenta processos que encarecem o preço final dos produtos. “A Mãe Terra é a maior compradora de orgânicos no Brasil, mas não existe cultivo suficiente. Para lançar batata chips, foi buscar um agricultor capaz de vender batatas orgânicas. Contratamos engenheiros agrônomos. É um processo que custa bastante e afeta o preço final”, frisa Marina Fernie.
“A consciência do consumo tem como principal ferramenta o marketing”
Alex Atala não é somente um dos chefs de cozinha mais renomados do Brasil — que já foi premiado com estrelas Michelin e o único brasileiro a fazer parte da série Chef’s Table, da Netflix —, mas também é um ativista no setor da alimentação. Na entrevista a seguir, ele explica os pontos mais problemáticos no que diz respeito ao assunto no País, mas aponta como, por meio do Instituto Atá, tem tentado mudar pensamentos e atitudes.
Meio & Mensagem — Quais suas principais críticas à cadeia produtiva de alimentos no Brasil?
Alex Atala — A cadeia do alimento, como bem expressa a palavra, tem que ter elos de ligação, que hoje são extremamente fracionados. Um dos grandes compromissos do Instituto Atá é aproximar o saber do comer, o comer do cozinhar, o cozinhar do produzir e o produzir da natureza. É muito fácil fazer discursos, é muito difícil trazer para ação. Mas hoje sou bastante otimista vendo as pessoas cozinhando em casa, escolhendo melhor os ingredientes, preocupadas sobre origem e como foram produzidos, entendendo as particularidades geográficas ou culturais de cada região, e, fundamentalmente, o produtor buscando cada vez mais a qualidade não só do produto final, mas da relação dele com a natureza, usando menos agrotóxico, buscando caminhos muitas vezes um pouco mais caros, mas sem dúvida muito promissores para o futuro do planeta.
M&M — Em 2019, vocês realizaram o Fru.to pela segunda vez. O que se espera dele?
Atala — O Fru.to é um seminário para falar de alimentação e meio ambiente. Não gosto muito da palavra sustentabilidade, porque sinto que ela está desprovida de prazer. Ao falar de alimento e meio ambiente, pressupomos coisas lindas, saborosas e gostosas. O Fru.to começa a ressignificar o alimento neste momento. Nenhum lugar do mundo pode falar de alimento com tanta propriedade quanto a América Latina. Todos os atores da cadeia produtiva, sejam eles a grande indústria, as florestas, áreas preservadas versus áreas devastadas, os maiores aquíferos do mundo, Amazônia e Patagônia, as pesquisas ou as comunidades sem contato com a nossa cultura, tudo isso está no Brasil, na América Latina. O maior compromisso da região com o mundo é produzir alimento para todos. Essa missão pode ser vista com pesar ou orgulho; o Fru.to vê com orgulho, consciência e um amanhã melhor para quem produz e para quem vive da cadeia do alimento, ou seja, todos.
M&M — Grandes indústrias de alimentos têm se interessado por produtos mais saudáveis e até feito aquisições de outras marcas. Acredita na autenticidade desses movimentos?
Atala — Acredito, sim, por uma única razão: é uma demanda do mercado. A cozinha ou alimentação do futuro passa pelo indivíduo. Não será ensinar as pessoas a cozinhar, como produzir… é só pedir para elas agirem de acordo com a consciência e a ética. Não compre, não cozinhe, não sirva, não consuma ingredientes que não estejam de acordo com a sua ética. Isso é o modificador para a grande indústria, que sabe e tem agilidade para detectar e agir sob a demanda do mercado consumidor, que é poderoso, dita regras. Nós, consumidores, temos que entender este poder que nos é delegado.
M&M — Qual sua leitura sobre o papel do marketing para os segmentos de alimentação e bebidas hoje e num futuro breve?
Atala — Fundamental para a criação de mercado, mas principalmente de um conceito de consumo. O consumo consciente é uma das grandes alavancas para um amanhã melhor do planeta e acredito que a consciência do consumo tem como principal ferramenta o marketing e a publicidade.
M&M — Tem se falado muito sobre as “foodtechs”. O futuro da alimentação passará mais por tecnologia ou por uma volta às origens?
Atala — As duas coisas fazem parte da realidade da produção de alimentos. A simbiose, a troca, a fluidez de informação entre a tecnologia e os métodos tradicionais de produção são o caminho para o futuro. Vou usar o exemplo do Grupo de Agricultura Sustentável (GAS), que acontece hoje no cerrado brasileiro. Uma turma de filhos de produtores de soja, de larga escala, que a vida inteira produziu no método convencional — usando defensivos, sementes e fertilizantes —, hoje busca alternativas sob o viés da agricultura simpátrica e não teriam o sucesso que estão tendo se não fosse o conhecimento dos seus pais, das pessoas que os antecederam, sobre maquinário, implementos agrícolas, produção em larga escala. O que pode levar a produção de agricultura orgânica ao sonho de ser uma realidade para todos os mercados e pessoas é exatamente a relação entre a produção de larga escala, a ciência e efetivamente a consciência de mercado, a não aquisição de produtos de qualidade questionável.
Foodtechs e inovação
Pensando em inovar e se adaptar aos mais diversos desejos dos consumidores, a Coca-Cola inaugurou em 2018, no Rio de Janeiro seu primeiro Centro de Inovação no Brasil, onde pesquisadores testam produtos, ingredientes e embalagens. Existem outros seis distribuídos pelo mundo: Estados Unidos (2), México, Europa, China e Japão. “A Coca-Cola é uma foodtech, só não é uma startup. O surgimento das foodtechs é interessante porque traz inovação para o mercado”, avalia Andrea, para quem as foodtechs são importantes desde a produção até a distribuição.
“Em nossa cadeia de produção, trabalhamos com a Agrosmart, que usa a tecnologia para ajudar os agricultores a controlarem a quantidade de água utilizada para irrigar o solo”, completa. Além disso, em 2017, a companhia criou a área de Transformação Digital, para trabalhar os conceitos digitais da empresa como um todo e a esteira de bubbles (ou esteira de bebidas com gás), projeto interno para inovar na categoria de bebidas com gás, por meio de metodologias ágeis.
“A tendência para o futuro é ter dificuldade para classificar os produtos. Assim, lançamos há pouco mais de um ano o Yas, composto de água gaseificada, suco de fruta e aromas naturais, sem conservantes, açúcares ou adoçantes”, afirma a diretora da Coca-Cola. O processo de produção da bebida levou sete meses, sendo que a última etapa de seu desenvolvimento foi realizada no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da companhia no México, em processo de cocriação com um grupo de consumidores brasileiros.
Eduardo Gagliardi, vice-presidente de marketing da divisão de lácteos e produtos à base vegetal da Danone, comenta que o portfólio da companhia está se adaptando às mudanças de comportamento do consumidor por meio de metodologias ágeis e ferramentas digitais. “O que antes demorava de nove meses a um ano para ser lançado, agora fazemos em questão de semanas”, completa. Já seu colega André Rapoport, acredita que a aproximação com as foodtechs é o futuro. “Nós as enxergamos como futuras parceiras para o desenvolvimento de produtos. A combinação de pesquisa e desenvolvimento interno com as startups é o futuro do processo de renovação do nosso portfólio, tanto de embalagens como de produtos”, reforça.
Por falar em embalagens, a diretora de sustentabilidade da Coca-Cola comenta que a campanha de retornáveis é o maior investimento da marca este ano. “Hoje, 22% das nossas vendas já são nessa embalagem, porém sabemos que ainda há espaço para o consumidor conhecê-la, por isso estamos investindo tanto. Nossa meta é chegar a 30% até 2020”, explica Andrea. Ela afirma, ainda, que é preciso ter uma mudança de hábito tanto dos consumidores, que devem lembrar de levar a garrafa vazia para trocar por outra cheia, como do ponto de venda, que tem que ter um espaço para guardá-las.
Já a Unilever divulgou em agosto os resultados da 2a edição do Lever Up, programa de aceleração de startups que começou a fazer no Brasil em 2018. Foram selecionadas seis empresas: Izio (que usará tecnologia para promover ofertas inteligentes ao consumidor nos pontos de venda); Smarket (coletas mais confiáveis de dados estatísticos para simplificar e tornar mais eficiente a relação da companhia com o varejo); Mr. Veggy (aproximará o universo vegano do dia a dia da Unilever); Nmind (soluções de performance voltadas a finanças); Menu.com.vc (logística para gerenciar produtos próximos ao vencimento); e Pedala (soluções sustentáveis voltadas à logística urbana expressa).
Já a PepsiCo investiu US$ 25 milhões para inaugurar, em 2017, um centro de pesquisa e desenvolvimento, em Sorocaba, interior paulista. “É o primeiro na América Latina especializado em alimentos elaborados com ingredientes originários da América do Sul, incluindo grãos integrais, frutas e vegetais, como mandioca, inhame e açaí”, enfatiza Anna Carolina Teixeira, diretora de marketing do portfólio de Snacks. Atuam no R&D Center 79 pesquisadores em nutrição, engenharia de alimentos e outras áreas relacionadas à indústria.
Cultivos de carne
Tradicional player do segmento de proteína animal, a BRF, dona das marcas Sadia, Perdigão e Qualy, entre outras, é uma das indústrias desafiadas pela revolução em curso. Fabio Bagnara, diretor de P&D, deixa claro que isso não afastará a empresa de seus compromissos fundamentais: segurança, qualidade e integridade. Levando em conta, para atender o consumidor, aspectos como naturalidade, inovação e praticidade. “O grande desafio atualmente é atender ao consumidor geral, sem deixar de considerar também os grupos que são ativos nas redes sociais e acabam por ditar tendências”, pontua Bagnara. Ele também cita o efeito da globalização sobre o comportamento, com as pessoas buscando novas experiências, já que passaram a conhecer novos ingredientes e iguarias antes não disponíveis ao consumidor médio.
Para fazer frente à nova realidade, a BRF tem investido em P&D em todas as suas operações, mas com uma estrutura de excelência operacional em Curitiba, que foca nas melhorias e no desenvolvimento de processos produtivos mais eficientes e uma estrutura de inovação em agropecuária que conta com granjas experimentais e desenvolve pesquisas relacionadas à genética e nutrição animal. A meta é que a inovação represente 10% da receita da empresa até 2023 e os projetos são divididos entre categorias em que já atua e as que pretendem entrar no futuro. Segundo Bagnara, o mercado no Brasil representa um indutor de inovação e um campo privilegiado para o teste de novos modelos de negócios para a BRF, que tem o propósito de crescer em preferência. Esse futuro, na visão da empresa, tem espaço para que tanto proteínas vegetais quanto as de origem animal cresçam e estejam cada vez mais disponíveis para o consumidor. “A indústria historicamente se organizou para atender às demandas do consumidor e acompanhar as tendências de consumo, não será diferente nos temas relacionados ao plant based e também às carnes cultivadas a partir da multiplicação de células em laboratório”, garante o executivo.
Há anos duas grandes tendências caminham juntas e culminaram na explosão de oferta a produtos industrializados feitos à base de planta que emulam o gosto e a textura da carne. Primeiro, o crescimento do vegetarianismo e sua militância contra os impactos que a pecuária em larga escala pode causar ao planeta. Em segundo lugar, a viabilidade tecnológica proposta por foodtechs.
Recentemente, o mercado nacional observou uma crescente escalada na oferta de hambúrgueres vegetais. As redes de fast-food, Burger King, Bob’s e Fifties passaram a incluir em seu cardápio a alternativa à proteína animal. No varejo alimentar, chegam às prateleiras alternativas que vão de grandes indústrias, como Seara e Marfrig, a novas operações, a exemplo da Fazenda do Futuro — que, além dos supermercados, atua junto a restaurantes.
“Estamos no mercado para competir com os frigoríficos. Hoje, nossos principais consumidores são carnívoros”, afirma Marcos Leta, fundador da Fazenda do Futuro, que produz cerca de 550 toneladas por mês, com capacidade de chegar a 1,2 mil. Para escoar os produtos, há parcerias com Grupo Pão de Açúcar, Lanchonete da Cidade, Spoleto e outros varejistas.
Apenas seis meses depois do lançamento, em maio, entretanto, a Fazenda do Futuro teve de mudar sua formulação. O Futuro 2.0 foi desenvolvido a partir de comentários que os clientes fizeram sobre o hambúrguer. Entre as mudanças estão aspectos como suculência e grossura, além da diminuição do gosto de defumado, uma reclamação dos clientes à marca. “O Futuro 2.0 é o resultado desse nosso mindset de ser uma empresa de software, que melhora continuamente tecnologias e descobre novas moléculas”, afirma Leta. Além da inovação, a marca explora no marketing a baixa pegada ambiental de sua produção. Quando a Marfrig, um dos maiores produtores de proteína animal do mundo, anunciou a entrada no mercado, a Fazenda do Futuro divulgou uma carta em que alfinetou a empresa: “Aqui no futuro, não é sobre ‘diversificar os negócios’. É sobre preservar a diversidade do planeta. (…). Porque se você é parte do problema, você não pode ser a única solução. Aqui no futuro, não importam suas ações da Bolsa de Valores, mas suas ações e valores”. A expectativa da Futuro é que o produto chegue ao Chile Paraguai e Uruguai até o fim do ano.
Já a Marfrig, por outro lado, afirmou, em nota, que há espaço para todos, incluindo foodtechs, mas tem vantagem em relação às startups por sua capacidade de escala e expertise combinada com conhecimento de mercado, o que “ainda faz toda a diferença”. Além do hambúrguer vegetal, a companhia se programa para disponibilizar uma linha de produtos do gênero, como ovo ou maionese, por exemplo. A operação é responsável pelo fornecimento da “carne” do Rebel Whopper, do Burger King, com quem mantém um contrato de exclusividade neste produto específico, mas há espaço para a venda de outras fórmulas de carne vegetal.
Mas, há quem critique a tentativa do segmento de emular o gosto da proteína animal com elementos vegetais a partir de um processo industrial ainda pouco claro aos consumidores. Paola Carosella, chef de cozinha e jurada do MasterChef, da Band, foi dura no Twitter. Após experimentar, definiu o hambúrguer como “uma bosta ultraprocessada oportunista no momento de mais confusão alimentar da história”.
Ao desafio levantado por ela, que advoga por comidas sem aditivos, analistas afirmam que é necessário passar da formulação vegetal para a carne criada em laboratório. Para Cynthia Antonaccio, CEO da consultoria alimentar Equilibrium, a viabilidade comercial de carne produzida em laboratório ocorrerá em 2030. Há foodtechs que buscam liderar esse caminho, como a Memphis Meat e a Just. “Massificamos a produção alimentar no pós-guerra e isso criou uma distância grande entre o que entendíamos por comida e o que é oferecido”, afirma Cynthia. “Agora, é necessário ter o mindset de olhar a indústria e associar o passado alimentar à tecnologia e ao serviço atual”. Parte dessa estratégia é a aproximação das grandes indústrias com produtores locais. Dessa forma, a pluralidade de alimentos criaria, também, resiliência à produção agrícola, aponta Cynthia.
“As indústrias vão precisar cada vez mais desenvolver economicamente seus produtores regionais. Isso mudará o funcionamento do segmento. Será que preciso comer iogurte de morango o ano inteiro?”, questiona.
Novos hábitos à mesa
O especial Next, Now também possui um podcast sobre os diversos segmentos abordados na série. No episódio Alimentos e Bebidas, abordamos temas como o crescimento da indústria plant based, a tendência de regionalização de produtos e, ainda, os impactos do crescimentos do food service na cadeia produtiva das indústrias. Participa da conversa Cynthia Antonaccio, CEO e fundadora da consultoria Equilibrium. O episódio já está disponível nas plataformas Apple Podcasts, Deezer, Google Podcast e Spotify.