Por Sérgio Damasceno
A Ericsson é uma das pioneiras nas telecomunicações brasileiras: a transação inaugural entre o Brasil e a fabricante foi realizada há 127 anos, entre o fundador da empresa, Lars Magnus Ericsson, e o imperador D. Pedro II, quando foi instalado o primeiro telefone no País. A fábrica, uma das cinco em operação em todo o mundo, foi aberta há 64 anos e o centro de pesquisa e inovação existe há 48 anos. Portanto, a companhia e a história da telefonia local estão entrelaçadas desde o princípio. A empresa já fabricou celulares e, atualmente, fornece infraestrutura de redes. Pelo passado histórico, participou de várias etapas evolutivas da telefonia nacional: do telefone fixo, monopólio estatal, à privatização do sistema, que se tornou fixo e móvel analógico e, depois, digital. Com passagens por diversos padrões de celular: 1G (analógico), 2G, 3G até a atual quarta geração (4G). Agora, se prepara para prover a infraestrutura da quinta geração (5G), ao lado de concorrentes também globais como Huawei, Nokia e Qualcomm. A 5G (ou o padrão 5G, conforme o interlocutor) se pretende não mais como um “G”, e sim como um capítulo que reescreverá o mundo da telefonia global para reinventar as telecomunicações. O CEO Ericsson do Cone Sul da AL, Eduardo Ricotta, diz como essa reinvenção mudará o cenário das comunicações na próxima década.
Meio & Mensagem – O que significa para a Ericsson apoiar projetos com startups, que são agentes da economia criativa?
Eduardo Ricotta – A Ericsson existe há mais de 140 anos porque sempre se reinventou. O tempo inteiro passamos por essa reinvenção. E estamos em mais um período desses. Tenho certeza que temos que conviver mais com esse ecossistema (das startups) do que antes. Porque é muito difícil para uma empresa ser boa em absolutamente tudo. Por exemplo, a internet das coisas (IoT) é muito segmentada. Tem agronegócios, setor financeiro, automobilístico, hospital, segurança, um leque de oportunidades em que não se consegue fazer tudo sozinho. Tem que ter uma integração com o ecossistema melhor do que tivemos no passado. A ideia de trabalhar mais próximo das startups é parte da nossa estratégia de IoT.
M&M — Inclusive vocês participam de eventos como o Hack Town, em Santa Rita do Sapucaí, cujo princípio é a inovação…
Ricotta – Participamos desses eventos para fazer parte do ecossistema, mas também para descobrir talentos. São nesses eventos que conseguimos talentos para trabalhar na empresa. Esse tipo de evento serve para dois pilares para nós: estar no ecossistema e atrair talentos.
M&M — A China acaba de fazer o maior lançamento global de redes 5G, com a entrada em operação em 50 grandes cidades, que incluem Pequim e Xangai, por meio das operadoras China Mobile, China Telecom e China Unicom. Para o ano que vem, os chineses preveem que 110 milhões de pessoas (7% do total da base) já usarão aparelhos 5G. Com essa escala, como ficarão os padrões de 5G pelo mundo?
Ricotta – O padrão já foi definido. Quem começou primeiro com a 5G foram os Estados Unidos que já tem, há quase um ano, 5G funcionando. As primeiras redes foram feitas lá e foi definido um padrão. Nós, Ericsson, temos mais de 20 redes operando no mundo e mais de 70 acordos fechados, que são contratos em andamento. O 5G começou pelos EUA e temos redes com tecnologia Ericsson nos quatro continentes. Do ponto de vista de padronização, acreditamos que está bem definido o padrão por meio dessas redes que já entraram. A China, obviamente, é um mercado muito grande, importante para o ecossistema, e seguirá seu próprio padrão. E tem equipamentos que talvez possamos usar em outros mercados.
M&M – Durante a edição do MWC deste ano, foi dito que haveria um chip 5G único, em escala global para unificar as comunicações. Haverá um chip 5G?
Ricotta – É mais uma questão de regulamentação de roaming. Por exemplo, o acordo que o Brasil assinou com a União Europeia poderia ter um roaming único entre o País e a Europa. São esses acordos bilaterais que podem fazer com que isso seja possível. A unificação depende mais de acordos bilaterais do que da própria tecnologia 5G. Porque você pode falar na China, Europa e EUA com o mesmo telefone. É questão de ter esses tratados para tentar padronizar isso no mundo inteiro. Mas acho difícil porque cada país tem o seu jeito de operar. Se tivesse isso, seria espetacular para os usuários.
M&M — Existe uma guerra declarada entre o governo americano e o chinês pelo domínio da 5G no mundo. De um lado, está a Huawei e, de outro, a Qualcomm, que foi impedida pelo próprio presidente Donald Trump de ser vendida para a Broadcom, de Cingapura. Como a Ericsson se posiciona nesse embate industrial?
Ricotta – Não é uma briga nossa. O que temos que fazer é manter o foco no cliente, que são as operadoras. Essa é uma discussão muito grande que, para nós, é difícil entrar nesse embate. Não podemos perder o foco. Não pode ficar nessas discussões entre países, e sim prover as soluções e tecnologia para os clientes que querem, realmente, lançar o 5G.
M&M — Quais são as experiências práticas que vocês têm com 5G?
“Tenho certeza que o 5G é a infraestrutura mais importante da próxima década. Porque é o 5G que revolucionará a indústria 4.0. Haverá muito investimento na indústria 4.0 e parte desse investimento será feito através da infraestrutura usando 5G”
Ricotta – Temos vários cases aqui no Brasil mesmo. Um é telemedicina, ultrassonografia a distância. Com as tecnologias existentes, se for ser feito um exame numa gestante, tem que ter a gestante, o médico e o equipamento. Com o 5G, começa a ter instantaneidade nesse serviço. Colocamos o médico em um local e a gestante em outro. O médico, através de joystick fazendo movimentos e, remotamente, a gestante com uma luva sobre a barriga. À medida que o médico faz os movimentos com o joystick, a luva se move e se consegue fazer um exame do bebê à distância. O Brasil tem dimensões continentais. Às vezes, tem o médico, mas não tem o aparelho ou vice-versa. E, às vezes, não tem os dois. Nesse caso, se pode fazer de forma remota. Pode haver um hospital digital onde todos os médicos ficariam num grande centro com os equipamentos e haveria apenas a conexão 5G para se fazer exames remotamente. Não precisaria desse deslocamento que é a grande dificuldade que temos para a população. Esse é um caso que já temos comprovado, com vários experimentos que funcionaram. Fizemos há algum tempo, no Allianz Parque, uma demonstração de holografia na qual o músico Lucas Lima tocava na sede da Claro e a orquestra estava no Allianz Parque. Ambos separados fisicamente, tocando juntos por holografia. Foi um case baseado em 5G. O 5G não é mais apenas um G (de geração). É uma mudança muito profunda de tecnologias e aplicações que virão. Falamos muito sobre qual será a killer application do 5G. Vamos errar miseravelmente bem, se tentarmos. O ecossistema é que começa a criar as coisas. Cria soluções disruptivas que estão até fora do ecossistema de telecomunicações. Que foi o que aconteceu no 4G. Quando passou do 3G para o 4G, todo mundo questionava qual seria a killer application e todo mundo falou de vários serviços. Mas nada disso aconteceu. Ninguém pensava, no entanto, que teríamos música online como Deezer e Spotify, streaming de vídeo com Netlfix, Premiere e HBO. Ninguém imaginava que existiria Uber e Airbnb, serviços que foram criados porque começou a ter localização através do terminal móvel. Tudo isso veio da mudança do 3G para o 4G e agora acontecerá no 5G. Acho que teremos alguns anos para descobrir o que mais essa tecnologia trará para a sociedade.
M&M — Qual é a sua perspectiva para o leilão e o lançamento das redes 5G no Brasil?
Ricotta – O leilão acontecerá no ano que vem. É importante acontecer no ano que vem ou teremos uma defasagem muito grande ante outros países. Acaba tirando a competividade do Brasil se demorarmos para ter essas frequências. Se acontecer no ano que vem, no começo de 2021 deveremos ter as primeiras redes 5G funcionando. Já temos o equipamento e existem terminais fixos e móveis para o 5G.
M&M — Um dos gargalos da 5G pode ser a infraestrutura das estações radiobase (ERBs ou antenas). Você já disse, publicamente, que a lei deveria mudar, já que o prazo para instalação de novas ERBs pode demorar até dois anos, o que inviabiliza a disseminação da 5G.
Ricotta – Essa é a dificuldade. Como a lei é municipal e o Brasil tem 5.570 municípios, você tem 5.570 leis municipais. Cidades que têm requerimentos diferentes para se instalar antenas. E isso pode ser bem rápido em algumas cidades, mas, em outras, é extremamente difícil. Em São Paulo, leva-se de um a dois anos para se instalar uma antena. Quando as pessoas reclamam da eventual falta de sinal 4G, por exemplo, ninguém lembra da dificuldade que se tem para fazer a instalação dessas antenas. Esse é um tema super complicado. Com a chegada do 5G, trabalha-se com frequências mais altas. E, quando isso acontece, a área de cobertura é menor. No 5G, precisaremos de quatro a dez vezes mais antenas do que temos hoje. O problema aumentará, portanto. Óbvio que os equipamentos ficam cada vez menores, dá para disfarçar melhor a antena dentro de um shopping center ou edifícios, mas precisa ter a licença. Nossa sugestão é que haja regulamentação no nível federal porque aí se consegue um único entendimento para todas
as cidades.
M&M — Vocês têm um histórico de longa parceria com as teles e com o governo. Você defende que não se cobre muito alto pelas licenças, e sim que esse dinheiro seja investido na expansão das redes. Pode falar sobre isso?
Ricotta – O que defendemos é um leilão com viés de infraestrutura, e não arrecadatório. Toda vez que você cobra muito alto pelo preço da licença, tem um atraso tecnológico. Porque o bolso das operadoras, de quem faz o investimento, é um só. Seja para fazer investimento, comprar a licença ou fazer investimento em cobertura e capacidade. Apoiamos um leilão de infraestrutura onde se cobra mais na cobertura de escola, de cidade, hospitais, do campo e menos da licença. Se você fizer a conta – e temos mostrado isso para vários setores do governo – o País ganha mais com a arrecadação de impostos tendo cobertura maior da rede do que cobrando licença. Porque, quando faz mais cobertura, beneficia a sociedade. É simples. Hoje, a questão da comunicação é básica igual a água e eletricidade. Por isso defendemos um leilão não arrecadatório, e sim de infraestrutura. Comparamos o Brasil com 40 países e, se levar em conta a renda per capita do brasileiro, o país está entre os três onde o espectro é o mais caro do mundo. Será que não temos que repensar o modelo? É isso que temos discutido bastante com os órgãos reguladores, governo e clientes.
M&M — E o que o 5G acrescenta na macroeconomia?
Ricotta — Tenho certeza que o 5G é a infraestrutura mais importante da próxima década. Porque é o 5G que revolucionará a indústria 4.0. Haverá muito investimento na indústria 4.0 e parte desse investimento será feito através da infraestrutura usando 5G. Porque o 5G tem uma velocidade maior de conexão e tem também uma redução no tempo de resposta, que é latência, em até 50 vezes. Com isso, você começa a ter carros autônomos que hoje não consegue porque não tem instantaneidade no serviço, consegue colocar uma fábrica inteira conectada. Mas não dá para fazer no WiFi? Temos a fábrica em São José dos Campos que não dá para colocar equipamentos de milhões de dólares conectados no WiFi que não tem segurança, é uma frequência não licenciada, que várias pessoas podem usar, pode ter interferência. É muito mais seguro fazer isso no ambiente sobre o qual se tem o controle da frequência. Por isso acreditamos que o 5G viabilizará a indústria 4.0. A Estônia, por exemplo, é um dos países mais digitais do mundo e a Ericsson tem uma das maiores fábricas lá. Porque tudo é digital. É um país super pequeno que tem uma avalanche de investimentos. E aqui não será diferente. Daqui a dez anos, quando uma empresa grande for definir onde colocar uma fábrica, terá que olhar a questão de infraestrutura. Será tão importante ter 5G quanto aeroporto, estrada, energia. Será uma infraestrutura básica, na próxima década, como temos nessas outras áreas. Se não tivéssemos 4G, atualmente, não teríamos Uber. A infraestrutura dará eficiência à indústria. E precisamos dessa eficiência porque estamos muito atrás de outros países. O Brasil é a oitava economia, mas, quando se olha o ranking de eficiência, somos o 23º. Se não tiver a tecnologia para ajudar, será um problema. E isso impacta todas as indústrias. Sempre vem um avanço da tecnologia primeiro, depois vem o impacto na sociedade por meio de serviços disruptivos e, por fim, o ajuste na regulamentação. Se olhar todos os serviços disruptivos que vimos acontecer nos últimos dez anos, segue essa sequência.