O ritmo das mudanças nos negócios é avassalador: o consumidor quer agilidade e personalização em suas demandas; as soluções tecnológicas chegam e evoluem a cada dia, as gigantes que já nasceram no mundo digital conquistam mercado consistentemente, ao mesmo tempo que as startups impõem um novo modelo de trabalho dinâmico e que permite correr riscos. Um dos grandes desafios das empresas hoje é justamente o de incorporar todas as necessidades, mudanças e inovações trazidas por essa realidade. É por isso que a transformação digital está em pauta nas principais companhias do mundo. Por aqui não é diferente. Segundo uma pesquisa realizada pela SAP com mais de três mil executivos em 17 países, incluindo o Brasil, 84% das organizações ouvidas informaram que a transformação digital é fundamental para a sua sobrevivência nos próximos quatro anos, mas somente 3% delas completaram os esforços atuais dessa transição em toda empresa.

A SAP também aprofundou o estudo com cem organizações líderes na transformação digital, de diversos portes e segmentos, e mostrou quatro pilares que as colocam nessas posições. O foco na verdadeira transformação é uma das bases — a pesquisa diz que as companhias que encabeçam esse processo evitam alterações fragmentadas e priorizam uma abordagem interorganizacional que viabiliza a mudança constante; além disso, o estudo mostra que a experiência do cliente é a porta de entrada para uma transformação bem-sucedida. Outro ponto é que essas companhias são voltadas aos talentos — investem em treinamento e recrutamento para aumentar o engajamento do colaborador e garantir que estejam prontos para atender à demanda por novas tecnologias e maneiras de trabalhar —, paralelamente, esses líderes destinam investimentos para tecnologias de última geração.

Stefanini_Eliezer_302x423As startups se permitem falhar e toleram isso como um degrau para ir além. A partir de cada processo de erro, elas constroem aprendizado e conhecimento – Eliezer da Silveira Filho, CMO da Stefanini na América Latina

Para alguns especialistas, a mudança cultural de uma organização é um dos principais fatores para a transformação digital. “É preciso entender que a colaboração, a cocriação e o processo de pensamento em rede é o que chamamos de empresa do século 21”, diz o professor e membro do World Futures Studies Federation, Gil Giardelli. Segundo o CMO da Stefanini na América Latina, Eliezer da Silveira Filho, esse próximo passo das companhias tem relação direta com uma mudança de mindset, que envolve a capacidade de correr mais riscos.  “As empresas têm de avaliar como é possível arriscar mais e como conseguir quebrar o modelo tradicional hierárquico, criando um formato de trabalho onde todos podem contribuir independentemente se é um estagiário ou o CEO. A solução pode vir de qualquer lugar e ela é construída de forma colaborativa”, afirma o executivo, ao complementar que o consumidor também deve ser envolvido nesse processo de criação conjunta.

A Natura é um exemplo de organização cuja atuação está sendo modificada com a influência da cultura digital. De acordo com o diretor de negócios digitais da empresa, Murillo Boccia, as mudanças não giram em torno apenas das soluções tecnológicas, mas também da agilidade, autonomia e da promoção do senso de empreendedor nos colaboradores, tornando a companhia mais tolerante aos erros. “A transformação vai bastante além da tecnologia, ela envolve a simplificação de processos, um espírito de testar e aprender e a redução das barreiras criadas pelas estruturas hierárquicas. Isso nos ajuda a ser mais rápidos, ao mesmo tempo que atraímos uma geração que pede por mais autonomia e propósito”, comenta o diretor.

Natura_Murilo_423x302A transformação vai bastante além da tecnologia, ela envolve a simplificação de processos, um espírito de testar e aprender e a redução das barreiras criadas pelas estruturas hierárquicas. Isso nos ajuda a ser mais rápidos, ao mesmo tempo que atraímos uma geração que pede por mais autonomia e propósito – Murillo Boccia, diretor de negócios digitais da Natura

O processo na Natura começou há alguns anos a partir do entendimento das diferentes necessidades do consumidor e das consultoras, o que levou a empresa a entregar uma experiência de compra única e adaptada a cada perfil. “A transformação digital é prioridade absoluta na organização. Costumamos dizer que a Natura é uma enorme rede social, que está em rápido processo de digitalização. Nosso caminho é ser uma empresa digital, orientada por dados, móvel, em rede e privilegiando sempre a qualidade das relações humanas”, ressalta Boccia.

O executivo avalia que a companhia avançou, mas ainda há muito a ser feito. “Isso não terminará amanhã, nem no ano que vem. Então, nossa postura é de andar rápido e reconhecer que o processo de evolução se dará em ciclos curtos. E o que determina a maturidade em um estágio não garante tranquilidade para o próximo”, afirma. Para ele, a transformação é uma agenda da organização e só ocorre quando transcende as barreiras de departamentos. “É papel de cada líder incentivar e criar condições para isso”, reforça.

Apesar de permear diversas atividades da empresa, a mudança digital na Natura tem um foco especial no relacionamento com os clientes e as consultoras. Uma das inciativas de destaque, segundo Boccia, foi a criação da Rede Natura, uma plataforma em que as consultoras participam do comércio eletrônico fortalecendo a relação com consumidores. O aplicativo Consultoria também é citado pelo executivo. A ferramenta, que já tem 580 mil usuárias, oferece navegação gratuita para facilitar o engajamento digital das profissionais. “Ele tem uma série de funcionalidades que facilita o dia a dia da consultora, como recomendação de promoções baseadas no perfil, agenda de eventos, comandos por voz, treinamento, e outras”, diz.

Outro caminho trilhado na direção da transformação digital da empresa tem relação com a análise de dados e o desenvolvimento de projetos a partir de soluções como machine learning. A Natura trabalha com um núcleo, chamado de DataLab, que concentra cientistas de dados que atuam de maneira próxima com as áreas de negócios. Outra forma encontrada para realizar a transformação foi por meio da parceria com startups, justamente para acelerar a inovação. As startups, aliás, possuem uma importante influência no ecossistema de transformação digital. “Elas têm dois papéis: o primeiro é de forçar o gigante a se movimentar e o outro é o de colocar uma agenda de agilidade e de inovação nessa nova era”, avalia Gil Giardelli, ao comentar sobre a relação das fintechs com as modificações no mercado financeiro (veja box).

Já o CMO da Stefanini acredita que a principal característica das startups que poderia ser melhor absorvida pelas grandes companhias é a possibilidade de correr riscos. “Elas se permitem falhar e toleram isso como um degrau para ir além. A partir de cada processo de erro, as startups constroem aprendizado e conhecimento. As organizações mais tradicionais, no entanto, têm uma baixa tolerância à falha. Os gestores são cobrados a tomarem decisões sempre certeiras, o próprio modelo de metas é baseado nisso”, diz Silveira Filho.

A postura de tomada de riscos vem sendo adotada pela Coca-Cola. Segundo o vice-presidente de marketing da Coca-Cola Brasil, Javier Rodrigues Merino, a filosofia da companhia permite errar e correr riscos. O que é negativo, porém, é deixar de aprender e voltar a fazer a mesma ação que não trouxe retorno anteriormente. “Neste contexto de cobrança, estamos virando mais uma learning organization. Não temos todas as respostas, mas o que fazemos serve de base para dar mais inteligência e não cometermos os mesmos erros”, disse o executivo, em entrevista ao Meio & Mensagem no ano passado. A operação do Brasil, aliás, foi a segunda a criar uma vice-presidência de transformação digital, logo após os Estados Unidos.

Outra empresa que vem se modificando é o Magazine Luiza. O objetivo de Frederico Trajano, presidente do Magazine Luiza, é migrar a companhia tradicional de varejo para uma empresa digital. E esse tem sido o foco. Em 2016, por exemplo, a organização cortou custos, mas manteve os investimentos em inovação e digital. O Luiza Labs saltou de 30 para cerca de 400 funcionários. Nos últimos anos, o Magazine Luiza criou mais de 30 aplicativos e soluções para as lojas da rede, além de ter uma postura estratégica omnichannel. Paralelamente, a empresa vem seguindo o exemplo da Amazon ao desenvolver uma plataforma aberta de negócios de varejo, que opera em vários setores. Para o líder da empresa, a transformação não é uma opção, mas uma necessidade pautada pela modificação do consumidor.

Isobar_Carol_423x302Como estamos vivendo na era do ápice tecnológico, temos um poderoso ferramental disponível, mas, nessa indústria, para criar projetos de marketing e comunicação altamente disruptivos e impactantes, que rompem os limites da propaganda e do digital, é preciso cultura, estratégia, criatividade e, sobretudo, talentos – Carol Escorel, vice-presidente de negócios e operações da Isobar

“A mudança do comportamento de consumo, ou seja, o forte impacto do digital na vida social foi e continua sendo o principal impulso para a transformação. As redes sociais deram voz ativa aos usuários e criaram um universo de diálogo direto entre consumidores e marcas, forçando os anunciantes a responderem às demandas e aos questionamentos de seus consumidores diretamente e em tempo real”, diz a vice-presidente de negócios e operações da Isobar, Carol Escorel. O CMO da Stefanini concorda. “A transformação digital é a modificação do consumidor. O conhecimento do cliente, o entendimento de suas necessidades e características como indivíduo são passos essenciais para as empresas terem sucesso nesse mundo que estamos vivendo”, destaca o executivo, ao acrescentar que a tecnologia é um meio que capacita as organizações para atenderem aos seus públicos.

Impacto no marketing

Dentro desse cenário, o marketing tem papel essencial, já que as marcas precisam contar histórias que engajam e que estabelecem conversas contínuas e próximas em diferentes canais e ambientes, de forma transparente e personificada. Para o diretor executivo do Bradesco, Luca Cavalcanti, a função do marketing diante desse contexto é aprender com a conversação real das pessoas e comunidades, para usar inteligência de dados na comunicação, levando insumos para a construção e cocriação de conteúdos que dialogam com as pessoas. “E, a partir disso, trazer a visão delas para o centro da transformação interna, ajudando a aprimorar produtos, fluxos e construindo novos projetos”, destaca Cavalcanti.

Nessa área, a Natura busca criar conexões com pessoas que compartilham valores e trabalhos em prol de mundo melhor. “O consumidor quer participar, e para a Natura, isso é importante uma vez que fomos formados a partir da rede de relações, e o cliente, cada vez mais, está perto. Assim, não só a comunicação de produtos e lançamentos, mas todo diálogo com consumidor nos permite engajá-lo não apenas com a nossa marca, mas em atividades sociais ou ambientais que os conectam com empresa”, comenta Boccia.

Segundo Carol Escorel, da Isobar, tanto para as agências quanto para os anunciantes, o ponto central da transformação digital são os talentos. “É claro que processos, métodos e modelos de negócio importam, porém é preciso ter pessoas criativas, inventivas, inovadoras, multidisciplinares e apaixonadas por tecnologia. Como estamos vivendo na era do ápice tecnológico, temos um poderoso ferramental disponível, mas, nessa indústria, para criar projetos de marketing e comunicação altamente disruptivos e impactantes, que rompem os limites da propaganda e do digital, é preciso cultura, estratégia, criatividade e, sobretudo, talentos. Essa é uma discussão menos sobre tecnologia e mais sobre como a cultura digital influencia a vida das pessoas”, finaliza a vice-presidente.

Mudança do cliente e crescimento das fintechs estimulam a revolução digital no mercado financeiro

O mercado financeiro é um dos setores que encabeçam a transformação digital no Brasil. A mudança do comportamento do consumidor e a ascensão das startups, que ampliou a concorrência e acelerou a inovação no segmento, movimentaram ainda mais os principais bancos privados do País. De acordo com último levantamento realizado pelo FintechLab, em novembro passado, existem 332 fintechs atuantes no Brasil, uma alta de 36% em relação ao estudo anterior, realizado nove meses antes. Esses dados fortalecem o dinamismo e as oportunidades de negócios na área financeira.

“Em geral, as fintechs mexeram no cliente e ingressaram em um espaço que os bancos já tinham dominado. Elas vieram para trazer facilidade dentro da rotina do usuário final com um discurso associado à agilidade. E os bancos passaram a incorporar rapidamente essas características”, avalia o CMO da Stefanini, Eliezer da Silveira Filho. Nos três principais bancos privados do Brasil, o cliente, que cada vez mais faz transações pela internet e celular, é justamente o foco de toda a modificação da dinâmica das empresas.

O Bradesco, por exemplo, tem atualmente 15,5 milhões de correntistas digitais. “Vivemos um novo tempo em que a experiência lidera o produto e o processo. Partimos cada vez mais dos aprendizados vindos da interação com as pessoas para construir jornadas e plataformas que sejam capazes de encantar e engajar, além de atender plenamente as suas necessidades. Para o cliente, é rápido, simples e cômodo fazer o que ele precisa no banco diretamente pelo celular, por exemplo, que está sempre com ele”, afirma o diretor executivo do Bradesco, Luca Cavalcanti, ao acrescentar que o next, o banco digital da companhia, é a materialização desse pensamento.

O executivo afirma que na organização todas as áreas são estimuladas a colaborar e a participar do processo por meio do seu ecossistema de inovação, o inovaBra. Uma das iniciativas do programa envolve um espaço para troca de conhecimentos e experiências, além de laboratórios para ideias, prototipação e testes de conceitos, pensado para aproximar as demandas de grandes empresas às startups, sob os olhos de investidores com o capital. “Com o inovaBra amadurecido ao longo desses anos, passamos a ter a vivência e muito mais proximidade com o ecossistema de inovação. Esse movimento nos dá os alicerces que precisamos do ponto de vista de metodologias e fluxos, mas a fluidez da evolução tecnológica cria uma certeza: a de que tudo o que prevemos vai se transformar. E rápido”, comenta Cavalcanti.

No Itaú, grande parte dos esforços atuais estão direcionados para os canais mobile, que, segundo a empresa, apresentam um crescimento exponencial. Atualmente, mais de 80% das transações do Itaú Unibanco ocorrem por meio do Internet banking e aplicativos. Cerca de dez milhões de correntistas da categoria pessoa física usam as ferramentas online do banco. “O nosso objetivo é fazer do Itaú Unibanco um banco digital de dentro para fora. Para isso, nosso trabalho vai além dos projetos em si e envolve também a mudança da cultura da empresa: modificamos o modelo de trabalho nas estruturas digitais, promovendo mais colaboração, experimentação, maior uso de dados e adoção de novas metodologias”, diz a superintendente de canais digitais do Itaú Unibanco, Ellen Kiss.

A executiva destaca entre as iniciativas da companhia o App Light, o Apple Pay e teclado Itaú. Esse último foi lançado no início do mês e permite ao usuário fazer transferência de dinheiro pelo celular sem precisar sair do aplicativo que estiver utilizando. “Neste caso, nos antecipamos a partir de um comportamento do mercado: o uso expressivo do WhatsApp no Brasil. Este é um exemplo de inovação centrada no cliente”, afirma Ellen, ao complementar que o foco é construir experiências por meio de soluções simples e intuitivas. “Com certeza é um trabalho permanente, que exige recorrência e consistência. Entendemos que transformação é uma jornada, não um destino”, avalia a superintendente.

Melhorar a experiência do consumidor também é o caminho que vem sendo trilhado pelo Santander. “Reestruturamos nosso modelo organizacional, o que permitiu velocidade nas entregas e na solução de problemas e demandas. Para isso, foi criado na sede Santander, o Espaço Geração Digital com mesas de trabalho multidisciplinares e colaborativas, dando flexibilidade e agilidade. Essa equipe possui profissionais de diversas formações, além de diferentes experiências mercadológicas”, conta o diretor de negócios digitais do Santander, Alexandre Zancani, que ressalta três iniciativas realizadas pelo banco: o aplicativo Santander Way, o Santander Pass e a Superdigital. “A Superdigital, por exemplo, é uma plataforma que muda o jeito como as pessoas trocam dinheiro, integrando clientes que possuem ou não conta em banco. O usuário pode interagir com seus contatos, como se estivesse em um aplicativo de conversa”, finaliza o diretor.

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