ANTONIO SALVADOR Chief digital officer (CDO) do Grupo Pão de Açúcar, já ocupou, no próprio conglomerado, a vicepresidência sênior de RH, sustentabilidade e gestão. Antes, atuou em grandes corporações como Ambev, IBM, HP e PwC. É formado em Comunicação Social pela Universidade Gama Filho. Também é presidente do Instituto GPA e do GPA Cooperative.
ANTONIO SALVADOR Chief digital officer (CDO) do Grupo Pão de Açúcar, já ocupou, no próprio conglomerado, a vicepresidência sênior de RH, sustentabilidade e gestão. Antes, atuou em grandes corporações como Ambev, IBM, HP e PwC. É formado em Comunicação Social pela Universidade Gama Filho. Também é
presidente do Instituto GPA e do GPA Cooperative.

Meio & Mensagem — Como plataforma de inovação do GPA, o que vocês têm passado para as outras operações do grupo?

Antonio Salvador — Temos focado muito nosso trabalho de inovação no Extra e no Pão de Açúcar, que são o que chamamos de multivarejo. São os clientes e formatos que mais demandam inovações tecnológicas. Hoje, no setor de alimentação, o Brasil está dominado pelos atacarejos, que têm uma proposta de valor muito simples: preço. Com todas as rupturas possíveis — filas enormes, muita gente —, eles entregam preço. É uma troca justa e que está indo bem no Brasil. Temos uma marca, chamada Assaí, que vai bem. Agora, os supermercados, hipermercados e conveniência são os canais que mais estão demandando soluções de tecnologia, que retirem fricção. O que temos feito crossboarder é muita troca com o Éxito, na Colômbia, e com o Casino, na França. É interessante que você começa a ver determinados movimentos que são muito comuns. É uma preocupação global de mais informação de produtos e de retirada de fricção. Mas há também diferenças de país para país. Na França, nossa operação tem uma demanda muito grande por informações sobre o produto, de onde vem, é orgânico ou não. Já no Brasil, a questão da hiperconveniência tem crescido bastante, assim como na Colômbia. Criamos no Brasil o Meu Desconto e, depois, Meus Prêmios (aplicativos). Ele é baseado nos seus hábitos de compra e, com essas informações, começo a te oferecer soluções personalizadas de desconto. Se você compra muito arroz, consigo trabalhar com a indústria não só para que determinada marca de arroz possa te oferecer uma oferta, mas para ter uma oferta personalizada de feijão, que vai bem com arroz. Criamos o Meu Desconto há dois anos e foi um sucesso absoluto. Nosso app está na mão de nove milhões e cem mil pessoas. Quando comparo com Éxito e Casino, estamos muito à frente. O app do Casino tem três milhões de usuários. Compartilhamos com o Casino e com o Éxito e eles estão replicando isso nos seus países, com muito sucesso.

M&M — No futuro próximo, o que a tecnologia pode oferecer para o varejo que ainda não está presente na operação?

Antonio — Separaria o varejo alimentar do varejo não alimentar. Se você entrar num marketplace, escolher uma camisa, um tênis e uma bola, eles podem vir de três fornecedores diferentes e, eventualmente, chegar em datas diferentes. E tudo bem. Não posso te mandar o arroz de um fornecedor, o feijão de outro e o ovo de outro, e cada um chegar num dia. Então, a primeira coisa que o varejo alimentar tem é a cesta completa, e isso não é fácil de fazer. Achamos que o varejo alimentar digital está na cúspide de crescimento. Nosso e-commerce tem 20 anos. No primeiro quadrimestre do ano passado versus o primeiro deste ano, crescemos 45% — e estamos nesse ritmo mês a mês. Percebemos que não é mais o sonho de duas décadas atrás. É uma realidade que representa 5% das vendas do Pão de Açúcar. Como vemos o curto-prazo? Um aumento da personalização e da mesma curadoria que temos no varejo digital, que ajude a pessoa a fazer uma cesta completa e levar essa experiência à loja física. O Waze de loja eu já uso para o meu picker, que quando você pede o Express (modalidade de entrega do pedido em até quatro horas), ele vem da loja mais próxima à sua. Queremos oferecer isso ao cliente também. Hoje, 77% dos meus clientes já usam o celular dentro da loja. O varejo alimentar é totalmente omnicanal. Hoje, e nada disso é verdade absoluta, ainda não dá para saber se o mamão está macio ou não pela internet. Quem sabe no futuro? Mas, hoje, essa complementaridade é muito importante. Massiva personalização também é algo que crescerá bastante. Hoje, tenho um centro de distribuição que faz as grandes cestas. Se você quer receber no mesmo dia, mando da loja. Esse next day e same day já é 60% da minha venda. Um ano atrás, era 20%. Daí nossa estratégia de adquirir o James Delivery (plataforma de encomenda e entrega de produtos comprada pelo GPA em 2018), que é estar na next hour. Há também o uso da realidade aumentada, como fizemos na Páscoa com a caça aos ovos, que vendeu um milhão de ovos a mais. A realidade aumentada crescerá bastante, ajudando muito na curadoria de determinados produtos, como vinho. E todas as soluções que tirem fricção, como self checkout, não ter checkout nenhum ou usar o celular como caixa registradora. O grande objetivo é que quando você vá a uma loja, ela se adapte às suas necessidades. Se você é um cara mais tech e de cestas pequenas, ela será mais inclusiva para você. Mas se for um casal de meia idade, e quer fazer compras completas, com alguém para ajudar, terá essa jornada também. O que está acontecendo no GPA é a ampliação das possibilidades de jornada. É uma mesma loja ser tech para você, e ser low tech para uma outra pessoa. O grande desafio é como acompanhar a mudança de hábito do cliente. Um cliente que só compra na loja tem um comportamento. O cliente que só compra online, outro. Já o cliente que compra na loja e no online, gasta o dobro do que cada um desses dois. Estão surgindo, ainda, muitas tecnologias de ganho de produtividade e controle de estoque. Estamos testando uma startup no nosso centro de distribuição que mapeia o estoque através de drones. Isso também já começa a acontecer dentro da loja.

M&M — E quais tecnologias podem ser adotadas já no
médio prazo?

Antonio — Estamos olhando o passthru (quando o cliente não precisa passar no caixa para pagar), e tudo que elimina fricção. Estamos olhando para a integração de todos os nossos canais. Se você adicionar um produto no seu desconto, terá a opção de receber em casa ou colocar ele no seu Waze de loja. Estamos olhando mídia, ou seja, como consigo usar esse meu app que está na mão de nove milhões de pessoas para comunicar produtos e propostas de valor. Haverá uma integração maior entre a mídia que veiculamos às massas e a que fazemos personalizada. E isso já vemos até no curto prazo. Fizemos anúncios de killers (promoções agressivas) na TV que só valem para o app. Outro é o que já trabalhamos, que é a monetização dos nossos dados, porque temos um conhecimento muito grande
do consumidor.

M&M — Grandes marcas de consumo passaram a vender diretamente ao consumidor final. Como vocês avaliam esse movimento?

Antonio — Acreditamos muito no papel agregador da comida. Há espaço para o boteco comprar Brahma direto da Brahma. Mas o conceito da cesta é muito importante. Não faz sentido você pensar num lanche e sair comprando em 35 canais. Esse marketplace real, que é o supermercado, continuará e se estenderá ao mundo online. O que estamos vendo é uma coexistência de a indústria falar direto com o consumidor e, também, estar presente nesses ambientes físicos ou virtuais, que são os grandes supermercados. É saudável. Assim, a indústria aprende um pouco sobre o varejo e facilita nossa conversa. Tudo é mutável, mas não vemos o fim desse agregador. Já quando você fala de a Nike vender direto, aí tudo bem. No caso da comida, a característica é diferente.

M&M — Como foi a criação das lojas de bairro como pequenos centros de distribuição?

Antonio — Estamos falando de um País que cada vez é mais urbano. O que vemos são lojas se transformarem em centros de negócio, onde você pode comprar, mas serve como centro de logística ou recebimento de pacotes de terceiros e geração de fluxo. Há dois ou três anos, começamos a testar o envio de loja, e foi um sucesso. Vamos começar a testar um estoque dedicado ao e-commerce em algumas grandes lojas. Seria uma sidestore em grandes mercados. Fazendo um estoque onde o picking seja muito mais eficiente. Acreditamos que esses são modelos muito importantes para melhorar a experiência do cliente, e é bom para a loja, porque toda a receita gerada fica na loja, não importa de onde veio a venda. Estamos vendo isso como uma tendência muito forte. Centros de distribuição ainda são muito importantes para categorias como clubes de compras e vinhos. E, junto a isso, a loja como ponto de abastecimento de curto-prazo.

M&M — Como surgiram os processos de aquisição de startups dentro do GPA?

Antonio — Montamos um grupo de inovação há dois anos. A ideia inicial era que precisávamos nos aproximar desse mundo de startups e de todas essas ideias brilhantes que estão acontecendo, e conectar com as dores de negócio que temos. Como nos aproximamos desse mundo? Fizemos uma parceria com o pessoal da Liga Retail, que é a maior incubadora de startups de varejo da América Latina, e começamos um processo de eles fazerem um filtro e, depois, um pitch day. De 300, fizemos um shortlist de 30, conversamos com 12 e fizemos provas de conceito. Realizamos um processo desse a cada trimestre. Hoje, já temos mais ou menos 30 POCs (Prova de Conceito, na sigla em inglês) dentro do GPA. Algumas escalaram para ser um James ou um Cheftime (startup que comercializa kits de alimentos para receitas premium), mas há outras crescendo e se desenvolvendo dentro da companhia. Expandimos isso para produto também. Foodtechs, serviços dentro de loja, como uma horta. Percebemos, principalmente no Pão de Açúcar, um cliente muito ávido por inovação. Temos cerca de 15 foodtechs que passaram por esse processo e estão na loja. E há duas coisas bacanas: é inovação que levamos ao cliente, algumas não em larga escala, e outra coisa muito interessante é que elas estão nos forçando a ser mais ágeis e dinâmicos. Desde o momento em que eu conversava com o fornecedor até colocar ele na loja, demorava três meses. Uma startup não tem três meses, nem pode receber em 60 dias. Revisitamos nosso processo e criamos um fast track, onde conseguimos conversar e colocar o produto na loja em 10 dias. Simplificamos contrato, mas com alguma segurança, já que somos listados em bolsa. Criamos também um POC Buster. É uma grana pré-aprovada para começar projetos dentro das startups sem precisar passar por um caminhão de aprovações dentro da companhia.

M&M — Há startups em áreas que não são de acesso ao consumidor?

Antonio — Diversas. Tem uma startup treinando com o jurídico que faz todo o monitoramento das causas trabalhistas. Tem questões no RH. Hoje, todo o atendimento interno do RH é através de um robô chamado Arnaldo. Nele, por exemplo, você pega seu número de prontuário de saúde. Usamos muita robotização no nosso centro de serviço, que chegou a ter mais de mil pessoas e, hoje, tem 400. Área de perdas, quando você vê um buraco na gôndola, estamos tentando resolver com câmeras. Como conseguir usar controle fotossensível para identificar os grandes problemas de quebra dentro da loja. Varejo alimentar é muito complexo, onde 70% é custo. Há um benefício muito grande na parte de backoffice.

“A realidade aumentada crescerá bastante, ajudando muito na curadoria de determinados produtos. E todas as soluções que tirem fricção, como self checkout, não ter checkout nenhum ou usar o celular como caixa registradora”
“A realidade aumentada crescerá bastante, ajudando muito na curadoria de determinados produtos. E todas as soluções que tirem fricção, como self checkout, não ter checkout nenhum ou usar o celular como caixa registradora”
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