Por: Karina Balan Julio

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CEO e cofundador do QuintoAndar, Gabriel Braga estudou administração na Universidade Federal de Minas Gerais e possui MBA pela Universidade de Stanford. Antes de fundar a empresa, trabalhou em empresas de venture capital e atuou na sede do Airbnb em São Francisco, na Califórnia.

O direito à moradia é universal, mas encontrar um lar costuma envolver muita burocracia e dor de cabeça. Com a proposta de desburocratizar a experiência de alugar um imóvel, o QuintoAndar foi criado em 2012 pelos mineiros Gabriel Braga e André Penha, na época estudantes da Universidade de Stanford. Se no início a empresa teve dificuldades em captar investimentos, nos últimos anos vem crescendo em ritmo veloz. Ao final de 2018, recebeu um aporte de R$ 250 milhões em uma rodada de investimentos liderada pelo fundo americano General Atlantic e, em 10 de setembro, mais US$ 250 milhões do japonês SoftBank. A empresa passou a valer mais de US$ 1 bilhão e configurar entre os raros unicórnios brasileiros. Sua estratégia é pautada por experiência do usuário e análise de dados, tendo direcionado R$ 70 milhões em tecnologia só em 2019. Também tem reforçado a parceria com imobiliárias e passou a oferecer um programa de reformas e curadoria de imóveis. Segundo o CEO Gabriel Braga, o objetivo do QuintoAndar é colaborar com agentes tradicionais do mercado imobiliário, em vez de competir. Ele prevê ainda a abertura de uma operação internacional da empresa em 2020, iniciando o projeto de torná-la multinacional.

Meio & Mensagem — Você trabalhou na sede americana do Airbnb e, junto com André Penha, seu sócio, passou pela Universidade de Stanford. De que forma essas experiências contribuíram para a criação do QuintoAndar?

Gabriel Braga — Estávamos em Stanford, e naturalmente, quando você está fazendo mestrado, tem mais tempo para pensar na vida. Eu e o André já havíamos dedicado parte da carreira a áreas de inovação e tecnologia, e na época discutíamos problemas que enchem o saco no dia a dia. Moradia é relevante para todo mundo e boa parte do dinheiro das pessoas vai para isso. É um aspecto da vida que interfere no seu bom-humor, no quão rápido você vai chegar no trabalho e no quão agradável é o seu entorno. Por outro lado, a maioria das pessoas têm experiências muito frustrantes quando começam de fato a procurar lugar para morar. Tudo começa com o momento em que você decide mudar e imagina como vai ser, até começar a procurar um imóvel de fato e ver que as fotos dos anúncios são ruins, a busca não funciona e as informações são incompletas. É um processo truncado, e depois de você passar um bom tempo procurando, ainda tem que lidar com fiador, seguro-fiança e tudo mais. Pensamos que poderíamos resolver essas dores, partindo das nossas experiências e de anedotas de amigos. Depois fomos fazer pesquisa e descobrimos que alugar um imóvel era a dor de muita gente.

M&M — Tiveram algum benchmark?

Braga — Quando pesquisamos as soluções que existiam fora, não encontramos nada que fosse realmente transformador para o mercado. Havia empresas que resolviam pedacinhos do processo de locação, mas não tudo. Pensamos que, se fosse para resolver um problema, teria que ser do início ao fim, desde a procura do imóvel, visita, assinatura do contrato até pagamento do aluguel. Se uma dessas etapas é boa, mas as outras não, o processo continua ruim. Disso veio a ideia de criar uma plataforma de ponta a ponta. Desde o momento em que captamos um imóvel, só colocamos informações verificadas, não temos imóveis duplicados no site e temos fotos boas e transparentes. Deu muito trabalho no início porque muitas peças precisavam funcionar ao mesmo tempo. Quando voltamos para o Brasil, em 2012, tivemos nossas primeiras frustrações. A ideia era ótima, mas ninguém enxergava. Foi muito difícil conseguir investidores porque todo mundo queria saber se havia exemplos de fora. Como não havia, fomos empurrando o negócio com um pouco de dinheiro de investidores-anjo, aos poucos fazendo nossa tese virar realidade. Lançamos a empresa em 2013, mas só em 2015 conseguimos uma rodada de investimentos mais significativa que nos deu chance de existir. Em 2016 decolamos. O negócio está crescendo muito bem, mas teve um período difícil no início.

M&M — Qual é o modelo de negócios?

Braga — Recebemos o primeiro aluguel do proprietário que anuncia conosco e ficamos com 7% a 8% do aluguel mensal. O proprietário não paga nada para anunciar e fazer as fotos de seu imóvel conosco. Só recebemos qualquer pagamento se efetivarmos a locação, em um modelo de success fee. É o mesmo preço de uma imobiliária tradicional, mas a diferença é que fora da plataforma o inquilino vai pagar um seguro-fiança adicional ou terá que ter fiador, podendo pagar mais caro por um mesmo imóvel. Eliminamos essa necessidade de garantia e burocracia, e por isso o inquilino aluga mais rápido e o proprietário também começa a ganhar seu dinheiro mais cedo, pois normalmente perde dinheiro a cada mês que deixa de receber o aluguel, quando o imóvel fica parado. Esse processo rápido chama a atenção de mais proprietários e assim vamos tendo mais imóveis disponíveis, e a coisa vai girando.

“Há uma vontade grande de criar uma empresa multinacional brasileira. Temos um produto de nível mundial e nossa tecnologia não deixa a desejar em relação ao que é feito em São Francisco, na China ou qualquer outro lugar”

M&M — Historicamente, a confiança do segmento imobiliário se construiu em cima de burocracia e processos offline. É desafiante mudar a cultura do mercado?

Braga — Do ponto de vista do inquilino, parece óbvio que a experiência melhora quando você pode agendar visitas a imóveis digitalmente e não precisa mais de fiador ou seguro-fiança. A experiência era tão ruim que as pessoas não conseguem mais fazer de outra forma. Do lado do proprietário, o espectro é mais diverso. Há proprietários que acham ótimo resolver tudo no sistema online e garantir seu pagamento sem dor de cabeça. Mas há também aquele proprietário que está mais off-line e que não tem tanta familiaridade com tecnologia. Pensando nisso, começamos a fazer parcerias com imobiliárias para fazer esse relacionamento com o proprietário offline. Elas passam a oferecer o QuintoAndar para ele, que então se beneficia da velocidade de locação e segurança da plataforma, contando ainda com o apoio presencial da imobiliária. É um modelo que está funcionando superbem. Normalmente existe o disruptor, que vai engolindo outros players, e então há uma polarização entre o novo e o velho. Acho que não precisamos sair brigando com todo mundo. Nessas parcerias, dividimos o fee de locação com as imobiliárias e reduzimos os custos delas, pois automatizamos vários processos de backoffice, e assim elas podem focar no que fazem de melhor, que é a captação e relacionamento com proprietários. Também acabamos aprendendo muito com elas sobre iniciativas variadas e estratégias que funcionam em cidades diferentes.

M&M — O sistema de agendamento digital e avaliações de visitas também alteram a atividade de corretor. Como enxerga essa “uberização” de corretores?

Braga — Muita gente acha que modelos digitais vão acabar com os corretores, mas, na prática, o que acontece é que eles não costumam gostar de trabalhar com aluguel. É um processo que dá trabalho e a comissão que recebem é muito menor do que a de vendas. O aluguel fica como uma espécie de patinho feio, ninguém dá muita atenção, mas ao mesmo tempo o cliente quer ser bem atendido. Muitas etapas do aluguel não precisam ser feitas pelo corretor. O fotógrafo faz a foto, o cliente faz a busca com os filtros que quiser e agenda a visita digitalmente. Quando o corretor acordar pela manhã, nosso site já organizou suas visitas para pessoas que nunca conseguiria atender de outra forma. Assim ele tem muito mais clientes e acaba trabalhando de forma mais produtiva, além de poder escolher o quanto quer trabalhar. Mudamos significativamente o jeito que corretores trabalham, mas eles continuam agregando valor e tendo seu papel no negócio.

M&M — O QuintoAndar vem recebendo diferentes aportes de investimento nos últimos anos. Para quais frentes de negócio estão direcionando investimento?

Braga — Tivemos uma boa rodada no ano passado e continuamos em uma trajetória interessante. A maior parte do investimento vai para o time de tecnologia. Hoje temos quase 200 pessoas trabalhando em várias etapas do negócio, seja internamente, para automatizar processos de forma mais eficiente, ou no desenvolvimento de novos produtos, como a integração com imobiliárias. Temos uma série de ideias e testamos coisas o tempo todo. Queremos lançar outros serviços que vão consertar problemas adjacentes ao aluguel de imóveis. Também fazemos grandes investimentos em expansão, tanto é que estamos abrindo operações em várias cidades. Há cerca de um ano e meio, expandimos nossa atuação para o Rio de Janeiro, Belo Horizonte e sul do Brasil, por exemplo. Claro que essas operações estão em estágio inicial e por isso consomem mais investimento, mas estão indo muito bem.

M&M — O QuintoAndar iniciou recentemente o Originals, um programa de reformas e curadoria de imóveis. Qual é a estratégia por trás do projeto?

Braga — Nossa missão com o Originals é elevar a qualidade dos imóveis, dando um certificado para bons imóveis que funciona como um atalho para o usuário. Verificamos que o imóvel está bonitinho e não tem danos elétricos e vazamentos, por exemplo, porque há problemas que você consegue ver na foto e outros não. Para o proprietário desse imóvel, a chance de ganhar destaque, alugar mais rápido e conseguir um bom preço é maior. Acreditamos que esse selo de qualidade é educacional, porque cria um parâmetro para outros proprietários e os estimula a oferecer imóveis em melhores condições. Além disso, ajudamos proprietários a fazerem reformas, pois sabemos que é algo que dá trabalho e custa dinheiro. Parte disso tem a ver com olhar para nossos dados e entender o que é interessante mudar. Vale a pena trocar os azulejos de uma cozinha? Ou pintar o armário? Tentamos guiar o proprietário sobre coisas que fazem diferença para os inquilinos e lidando com os parceiros que efetivamente farão a reforma, que também serão verificados e avaliados. Do ponto de vista de custo, podemos financiar as reformas ao adiantar ao proprietário o valor para a obra, e então descontar do aluguel depois que alugar. Estamos explorando as possibilidades para mostrar o valor da certificação.

M&M — Como usam análise de dados e inteligência artificial em outras áreas do negócio?

Braga — Nenhuma empresa tem tantos detalhes de cada imóvel como nós, que sabemos as peculiaridades dos imóveis de maneira organizada. Sabemos até que tipo de piso ajuda a alugar mais rápido, por exemplo. Os dados também ajudam na precificação. Em geral, é muito difícil definir o preço do aluguel, pois cada imóvel é único. Em um mesmo prédio, pode haver um imóvel reformado, outro com carpete, outro com armário mais bonito, outro com vista e outro sem. Se você coloca o valor muito alto, ninguém quer alugar e o proprietário tem prejuízo. Se coloca muito barato, haverá dezenas de inquilinos querendo alugar ao mesmo tempo. Dados nos ajudam a chegar em um ponto de equilíbrio para o inquilino e o proprietário. Outra aplicação é a análise de crédito. Queremos pedir cada vez menos informações do usuário e usar outras fontes de dados para fazer essa análise, avaliando inclusive o comportamento dele dentro da plataforma. Temos também a parte de automação de atendimento, como nosso bot no WhatsApp, que traz uma experiência mais self-service e amigável.

M&M — Como vê o desafio de manter uma cultura de agilidade e inovação à medida em que a empresa ganha escala?

Braga — A cada três meses somos uma empresa muito diferente e que precisa de processos diferentes. As rotinas e o trabalho de cada um mudam o tempo todo, o que gera um aprendizado constante. Sinto que sempre estamos fazendo coisas pela primeira vez. Parte dessa cultura está na qualidade das pessoas da empresa, que tomam iniciativa e têm um senso de propósito grande. Se você lhes der o contexto macro, vão sair fazendo. Outro aspecto é sobre como nos organizamos para trabalhar: são pequenos times com metas específicas e a partir daí, as pessoas decidem o melhor caminho, o que priorizar e os tradeoffs para atingi-las. Essa organização é muito diferente de uma estrutura mais hierarquizada e centralizadora, na qual se tem a sensação de mais controle, mas na verdade os processos são muito mais lentos porque alguém vai ter que ouvir todas as explicações até tomar a decisão. Buscamos dar mais autonomia para que nossos times tomem as decisões, se entendam, errem e acertem por sua conta. Apesar do nosso tamanho hoje, acho que cada área ainda se sente pequena o suficiente para executar com autonomia e agilidade.

M&M — Qual é o plano de crescimento da empresa?

Braga — A ideia é ir para algum novo país já no ano que vem. Acredito que temos um produto de nível mundial e que nossa tecnologia não deixa a desejar em relação ao que é feito em São Francisco, na China ou qualquer outro lugar. Acho legal termos essa ambição. Não estamos nem na superfície do nosso potencial e há uma vontade grande de criar uma empresa multinacional brasileira que pode dar exemplo para outras, inspirar outras pessoas e atrair talentos para resolver novos problemas, não só do Rio, São Paulo e Belo Horizonte, mas de cidades com Jacarta, Londres, Cidade do México ou qualquer outra. Muitas empresas brasileiras querem dominar a América Latina, mas nós não pensamos assim. Vamos olhar para os mercados onde estão as maiores dores do consumidor e onde nossa entrada pode fazer a diferença. Acho que haverá o desafio de entender as nuances de cada país e onde nosso produto se encaixa melhor, mas estamos olhando para grandes cidades.

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