Por Bárbara Cacchitiello, Teresa Levin e Thaís Monteiro

Os hábitos diários de higiene tornam o brasileiro um povo peculiar. Em 2015, em um estudo global para mapear a rotina de habitantes de diversos países, a Euromonitor constatou que aqui a média de banhos é de 12 por semana — quase dois por dia. O número é bem superior ao da Colômbia, segundo país no ranking da consultoria, com média de oito banhos semanais, e também maior do que a média global, de sete por semana. Embora o clima tropical seja apontado como um dos fatores que explicam essa afeição do brasileiro pela higiene corporal, ainda não há consenso sobre os motivos que tornam o Brasil um campeão na média de banhos. Mais do que explicar as razões, no entanto, a indústria de higiene e beleza segue preocupada em aprimorar a tecnologia, conceitos e mensagens para atender a um mercado que, também nas cifras, figura entre os maiores do mundo.

Por muitos anos, o País ficou no pódio das nações que mais faturam com cosméticos e produtos de higiene pessoal, perdendo apenas para Estados Unidos e Japão. Desde 2016, no entanto, a China acelerou nessa corrida, deixando o Brasil na quarta posição. Ainda assim, o desempenho do País continua ostentando números elevados. Em 2018, as vendas do segmento alcançaram R$ 109,7 bilhões, de acordo com a Euromonitor.

Se o interesse do consumidor por itens de higiene e beleza é constante, o mesmo não se pode dizer das abordagens das fabricantes desses itens. Com o avanço da tecnologia, não apenas a qualidade e a eficácia dos cremes, xampus, sabonetes e artigos de maquiagem são modificadas, mas também a própria concepção acerca do papel desses produtos na vida das pessoas. Mais do que bem-estar pessoal, as marcas se veem inclinadas a atuar em prol da autoestima e da preservação do meio ambiente, ao mesmo tempo que precisam continuar criando produtos com mais personalização.

O uso de várias vertentes tecnológicas para o aprimoramento da indústria de beleza e higiene já é uma realidade global. No início de 2019, o Instituto e Laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento da Foreo — marca sueca especializada na área da tecnologia da beleza — apresentou sete tendências que devem nortear o mercado mundial de beleza e bem-estar: beleza personalizada, sazonalidade, beleza ativa, aparelhos de beleza, embalagens instagramáveis, superfoods e C-Beauty (a difusão dos hábitos adotados na

Coreia do Sul, um dos países mais inovadores do segmento).
A maioria dessas tendências já é visível para quem é consumidor desses produtos. A própria Foreo investiu na exportação de uma tecnologia personalizada para a pele de cada consumidor. Com aparelhos como Luna Fofo e Luna 3, massageadores de rosto que usam inteligência artificial para escanear a saúde da pele, a pessoa consegue, com apoio do aplicativo da marca, obter uma rotina de limpeza personalizada.

Essa customização mobiliza outras marcas, como a L’Oréal. O aplicativo Style My Hair, de L’Oréal Professionnel, permite que os consumidores avaliem que cor de cabelo ou penteado ficariam melhores antes de fazerem uma transformação efetiva. “Quando se fala de beleza, devemos apostar em produtos que levem ao nosso cliente exatamente o que funciona para o seu tipo de pele ou cabelo. Devemos partir cada vez menos de produtos genéricos, que pouco agregam à diversidade de consumidores que temos. E essa personalização se torna cada vez mais possível graças à inteligência artificial”, frisa Patricia Borges, CMO da L’Oréal Brasil. Em 2018, a companhia adquiriu a ModiFace, empresa de realidade aumentada e inteligência artificial aplicada à indústria da beleza. Foi ela a responsável por criar o app Style My Hair.

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• AMPLIAÇÃO DO LEQUE DOS TONS E TEXTURAS DOS COSMÉTICOS

• ITENS DESENVOLVIDOS A PARTIR DE INSIGHTS DE DADOS

• DIVERSIDADE COMO ELEMENTO CENTRAL DA PUBLICIDADE DO SETOR

• TRANSIÇÃO DO CONCEITO DE BELEZA COMO PADRÃO PARA VALORIZAÇÃO DA AUTOESTIMA INDIVIDUAL

• MARCAS DE PRODUTO DE HIGIENE FOMENTANDO PROJETOS DE SANEAMENTO BÁSICO
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• MACHINE LEARNING PARA A CONCEPÇÃO DE COSMÉTICOS

• CRESCIMENTO NA CATEGORIA DE SKIN CARE (CUIDADOS COM A PELE), IMPULSIONADA PELOS AVANÇOS DO MERCADO ASIÁTICO

• ALTA-CUSTOMIZAÇÃO NA PRODUÇÃO DE ITENS PARA DIFERENTES TIPOS DE PELE, CABELOS E GOSTOS

• DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIAS PARA O REAPROVEITAMENTO DOS RESÍDUOS E DIMINUIÇÃO DO IMPACTO AMBIENTAL

• COMBINAÇÃO DE DIVERSIDADES PARA A CRIAÇÃO DE MENSAGENS PUBLICITÁRIAS INCLUSIVAS E PERSONALIZADAS

Produtos inteligentes

A mesma preocupação em desenvolver a especificidade dos produtos é vista na Natura, que com a aquisição da Avon, realizada neste ano, tornou-se uma das maiores companhias globais de higiene e beleza. Atualmente, a companhia testa em algumas de suas lojas da região de São Paulo, um device capaz de indicar o produto ideal para o cabelo com uma análise microscópica do fio. Utilizando os conceitos de machine learning, o aplicativo consegue, por meio de uma foto de mecha de cabelo, analisar a textura, elasticidade e fragilidade do fio, indicando o produto mais adequado da marca e o tempo em que ele deve ser utilizado.

“O uso de inteligência artificial na fabricação de produtos é uma tendência, mas estamos estendendo o aproveitamento dessa tecnologia também para a experiência de compra. Quando conseguimos, por exemplo, propor um experimento de nossos itens de maquiagem por meios digitais facilitamos o trabalho de nossas consultoras a proporcionarem aos clientes um serviço mais direcionado”, comenta Luciano Abrantes, diretor de inovação digital da Natura.

A era dos produtos inteligentes também chegou à Avon, que, no mês passado, apresentou uma série de lançamentos criados a partir de insights do Genius, seu algoritmo de inteligência artificial. Criado pela MediaMonks, o Genius mapeou 15 mil comentários de todo o mundo para entender as necessidades do público-alvo em relação à máscara de cílios. Com as respostas, a Avon desenvolveu um produto que reúne cinco diferentes benefícios e, pelo mesmo algoritmo, também colocará no mercado uma máscara para sobrancelhas, lápis de contorno labial, batons, iluminadores e esmaltes.

“As marcas já estão coletando dados em tempo real por meio de seus produtos eletrônicos espalhados nas casas de seus consumidores. Esses dados alimentam algoritmos, que servirão como fonte rica de informações e análise para criação dos próximos produtos. Sem a inteligência artificial, seria praticamente impossível encontrar tão rapidamente os padrões em uma quantidade tão grande de dados. Além disso, a inteligência artificial não serve apenas para a concepção de produtos, mas para toda a jornada desses itens junto aos consumidores”, conta Rafael Fittipaldi, partner and tech creative director da MediaMonks.

Esses produtos inteligentes atendem a uma demanda importante dos consumidores, de acordo com a CMO da L’Oréal: a dos produtos multibenéficos, com mais de uma funcionalidade. Como resposta a esse anseio, a marca desenvolveu o Elseve CicatriRenov, tratamento capilar para minimizar dez tipos de danos presentes nos cabelos das consumidoras brasileiras. “O cruzamento de ingredientes também nos permite inovar na criação de novos produtos e, até mesmo, dando novas funções a produtos já existentes, de forma que eles possam ser utilizados para outras partes do corpo”, explica Patrícia.

Base da inovação

Apesar de considerar que, no Brasil, há muitos profissionais qualificados trabalhando no desenvolvimento de inteligência artificial, Rafael, da MediaMonks, avalia que o País caminha lentamente no uso desse recurso para a criação de produtos, tendo em vista que muitas empresas precisam se reinventar para incorporar uma mudança nos seus processos e na forma que armazenam e utilizam seus dados.

Ao mesmo tempo, Bianca Tavares, gerente-geral da Foreo no Brasil, reconhece que o País constitui um mercado “extremamente inovador” na área de beleza e reforça a afirmação citando tecnologias como a pele 3D, que simula a pele humana para testes de eficácia de produtos. Mas ainda há, segundo ela, um longo caminho a trilhar para a maior aplicabilidade dessas tecnologias. A Foreo, inclusive, tem seus produtos produzidos exclusivamente na China. “Acreditamos que ainda há espaço para que esse viés inovador se desenvolva ainda mais, com incentivos à pesquisa e à capacitação técnica dos interessados em trabalhar nessa área”, argumenta.

Outros fatores que ainda impedem o Brasil de ganhar mais destaque na produção de itens inovadores são a alta carga tributária e a falta de logística e infraestrutura, na opinião de Cindy Oh, maquiadora especializada em beleza asiática (mercado que concentra dois dos três países líderes da indústria).

Tecnologias aplicadas na produção permitem a criação de produtos multibenéficos, como CicatriRenov, da L’Órel e o Luna, da Foreo, que funciona por meio de inteligência artificial
Tecnologias aplicadas na produção permitem a criação de produtos multibenéficos, como CicatriRenov, da L’Órel e o Luna, da Foreo, que funciona por meio de inteligência artificial

Segundo ela, o que faz da Ásia o continente campeão em inovação são o alto investimento em pesquisa, tecnologia, infraestrutura e capital de giro maior. “Inovação é uma questão de sobrevivência e a competitividade na Ásia é muito grande, por ser um mercado muito saturado, com grande diversidade de marcas que oferecem produtos similares. Se não souber inovar, a marca some de um dia para outro”, aponta. Por lá, Cindy conta que, atualmente, a tecnologia em pauta é a impressão 3D para formulação de embalagens novas e para testes de eficácia em peles 3D que imitam a pele humana, evitando o teste em animais.

Na visão de Patricia Borges, da L’Oréal, o Brasil tem seu espaço entre os mercados mais inovadores de beleza. Por esse motivo, a marca investe, há dez anos, em pesquisas no País e tem, há dois, um centro de pesquisa e inovação, o único do Grupo na América Latina e um dos seis hubs regionais da L’Oréal no mundo. Segundo a executiva, muito disso encontra respaldo no consumidor brasileiro. “Mulheres brasileiras estão entre as mais exigentes do mundo. Essa importância da beleza para as brasileiras e a diversidade étnica e cultural fazem com que o País seja um laboratório a céu aberto e desempenhe papel fundamental no mercado de cosméticos. O Brasil é o único país onde encontramos todos os oito tipos de cabelos classificados pela L’Oréal, do liso ao mais crespo”, justifica.

Conceito pessoal

O Brasil pode ainda não estar entre os maiores centros de desenvolvimento de produtos inteligentes, mas não fica atrás em relação à transformação da comunicação do setor de higiene e beleza. Impactada, sobretudo, pelas mais recentes ondas do movimento feminista, a indústria foi uma das que mais puxaram a revisão do que, por décadas, foi considerado e imposto como padrão de beleza, sobretudo às mulheres. Com isso, batons, cremes faciais e esmaltes, que eram apresentados como elementos obrigatórios para se alcançar determinado status de beleza, foram redefinidos como propulsores de autoestima, confiança e da valorização individual.

Essa desconstrução dos padrões já se tornou um alicerce do setor e deve ganhar ainda mais relevância no futuro da comunicação do segmento. “Há algum tempo deixamos de falar de estereótipos para falar sobre inclusão. Não falamos mais sobre pessoas altas, baixas, bonitas ou magras, mas sobre mulheres de diversos perfis e estilos. A partir do momento em que o consumidor ganhou voz ativa nos meios digitais, as conversas ganharam mais amplitude e deixamos de ter uma relação de entrega de produtos para um relacionamento em que nossos valores têm de espelhar os mesmos desejos e pensamentos dos consumidores”, analisa Cathy Schroeder, gerente de marketing de O Boticário.

Dono de marcas com perfis e público-alvo diferentes (O Boticário; Eudora; Quem Disse, Berenice; The Beauty Box e Vult), o grupo tenta, de maneira geral, adequar a linguagem para uma consumidora que não tolera mais imposições. Para isso, a gerente de marca destaca que a indústria da beleza necessita, primeiramente, incorporar esses valores feministas em sua própria casa. “É preciso que nosso discurso seja vivenciado de dentro para fora. Só é possível falarmos sobre o empoderamento da mulher quando temos um quadro de liderança composto em 50% por mulheres. Apenas assim temos condições de dar voz e dizer, em nossas campanhas, que a beleza vai além de estereótipos e que está presente em cada pessoa”, comenta Cathy.

Cathy Schroeder, gerente de marca do Boticário: setor deve reforçar a importância da consumidora se sentir bonita, independente do uso de seus produtos
Cathy Schroeder, gerente de marca do Boticário: setor deve reforçar a importância da consumidora se sentir bonita, independente do uso de seus produtos

Essa valorização da autoestima na publicidade dessa indústria tende a esbarrar em um discurso que, outrora, poderia ser visto como um antimarketing: para uma marca de beleza ser forte, tem de dizer à consumidora que ela não precisa, de fato, utilizá-la. “Nada mais descreve o conceito de confiança e liberdade do que uma marca de beleza levantar esse posicionamento. Não existem mais pré-requisitos e obrigações. Quando a Make B (uma das marcas de maquiagem de O Boticário) trouxe o conceito ‘Não preciso, mas quero’, ela traduziu isso. Há dias em que a pessoa quer usar mais maquiagem; em outros, quer usar menos e, em outros, não quer usar nada. E a marca tem de estar ali para reforçar que o importante é que a mulher se sinta bonita, independente da escolha”, destaca.

Além de liberdade para escolher, o consumidor tende a preferir marcas que saibam olhar ao seu redor. Para a Natura, ao mesmo tempo em que, no futuro, as pessoas buscarão produtos ainda mais personalizados e específicos para sua pele, cabelo e estilo, também passarão a exigir uma atuação mais responsável dessas empresas — algo que passa, sobretudo, pela postura socioambiental. “As pessoas exigem que tenhamos consciência em relação ao impacto do consumo e que consigamos, ao mesmo tempo, proporcionar melhor experiência a elas e menos impacto ao ambiente. Nosso papel é continuar buscando soluções em torno da preservação dos recursos naturais, invocando a sociedade para que trabalhe em conjunto conosco”, comenta Suzana Pamplona, diretora de inteligência de mercado da marca.

Sauzana Pamplona, diretora de inteligência de mercado da Natura: atuação consistente na área socio-ambiental será demanda prioritária para as marcas do setor
Sauzana Pamplona, diretora de inteligência de mercado da Natura: atuação consistente na área socio-ambiental será demanda prioritária para as marcas do setor

Nessa empreitada, quanto mais ideias forem apresentadas a favor da busca por essas soluções, melhor será. Por isso, a Natura vem, há anos, trabalhando em conjunto com startups para descobrir como inovar em diversos pontos de sua atuação. Em 2019, no entanto, a marca não está solicitando ideia para aprimorar nenhum produto, e sim para reduzir o impacto ambiental de suas embalagens. “Lançamos o Natura Innovation Challenge para convidar startups, de todo o mundo, a contribuírem conosco na redução do uso de plásticos, que pode passar desde o desenvolvimento de novos materiais até mesmo à soluções de descarte. Ao invocar a sociedade, permitimos que as pessoas também compartilhem essa responsabilidade ambiental, que sempre foi o pilar essencial de nossa marca”, pontua Suzana.

Convidar pessoas a fazer parte de discussões e criações é uma estratégia adotada pelo setor da beleza também na exposição dos produtos ao público. Embora o marketing de influenciadores seja algo já consolidado em todos os grandes segmentos da indústria, foi na área da beleza que ele desenvolveu mais musculatura. Delegar às pessoas comuns a responsabilidade de recomendar e endossar seus produtos tornou-se algo tão estratégico para as marcas que as influenciadoras começam a ganhar outras posições na linha de produção. Rede global de comercialização das mais renomadas marcas de beleza do mundo, a Sephora já colocou em suas prateleiras no Brasil produtos assinados por mulheres que conquistaram uma posição na indústria falando sobre beleza na internet. “Percebemos que a conexão entre seguidoras e influenciadores vinha crescendo e sentimos que era hora de quebrar as barreiras entre online e off-line. Dessa forma, lançamos neste ano a campanha ‘Siga no Instagram, curta na Sephora’, que oficializa a chegada de nomes de sucesso na rede social às lojas e ao e-commerce da marca”, comenta Andrea Orcioli, CEO da Sephora no País.

Esse movimento teve início no ano passado, quando a marca passou a vender produtos da influenciadora e empresária Bruna Tavares. Atualmente, produtos de outras três marcas de influenciadoras do segmento entraram nas lojas: Boca Rosa Beauty, Chata de Galocha e Mari Maria Makeup. Na visão da CEO da marca, o fato de esses produtos dividirem espaço com marcas de luxo mostra como a relação das pessoas com os players do setor vem se transformando. “O advento das redes sociais mudou a relação entre marca e produto. As respostas são rápidas e sabemos exatamente como cada coisa performa. Os tutoriais tornaram mais fácil a aplicação de um item e quebrou-se a barreira de que a maquiagem precisava, necessariamente, de beauty artists. Ela se tornou mais real, mais acessível e isso é muito resultado do trabalho das influenciadoras digitais”, destaca Andrea.

Cuidados com a pele: natureza e tecnologia

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No biênio de 2014 e 2015, a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) enumerou, em seu Caderno de Tendências, alguns movimentos globais que iriam tomar forma no segmento e, hoje, estão em plena expansão. A proliferação da sílaba “CO” — compartilha, colabora, coproduz, co-branding —, a busca da praticidade pelos consumidores e a sustentabilidade estão, já em 2019, materializadas nas estratégias de muitas marcas, de grande ou pequeno porte, assim como na oferta de produtos. A esses fatores se juntam outras tendências, como personalização, experiências e beleza com foco em ingredientes de origem natural, que pautam a essência de novas marcas nacionais do setor, com Riô e Sallve.

Apesar da associação com a natureza, a carioca Riô, com produtos voltados para corpo e banho, faz questão de passar longe do rótulo de “vegana”, como explica o CEO Paulo Medicis Rocha. Ele conta que toda a produção da marca é baseada na biotecnologia. “Muitos óleos essenciais são alergênicos. Passar limão na pele não é algo que faz bem. A biotecnologia permite a adoção de um padrão mais sustentável e responsável”, afirma. A empresa prioriza, segundo ele, bioativos naturais e elimina ingredientes como parabenos, derivados petroquímicos ou animais. A Sallve, dos sócios Daniel Wjuniski, Julia Petit, Juliana Shor e Marcia Netto, também evita o rótulo de “marca natural”: apesar de componentes naturais fazerem parte da composição dos produtos faciais oferecidos, os processos de fabricação contam com o apoio da nanotecnologia. “Somos uma marca de clean beauty com foco em efetividade. Queremos fazer uma marca efetiva como dermocosmético, só que mais limpa, com menos produtos que vemos em cosméticos mais tradicionais”, explica Julia.

A oportunidade para o surgimento dessas e outras marcas de skin care se dá em um movimento, que vem se acentuando nos últimos dez anos, em que as pessoas passaram a recorrer à internet (redes sociais, influenciadoras e blogueiras) para buscar informações sobre produtos de beleza. Com canais de informação mais amplos e diretos, os consumidores se tornaram mais exigentes em relação à transparência das marcas e exigem saber o que, exatamente, estão consumindo. Hoje, a presença de parabenos e petrolatos químicos na fórmula dos cosméticos — termos que antes passavam despercebidos pelas consumidoras — já definem a decisão de compra. Um estudo do Laboratório de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) aponta que a busca por produtos com ingredientes de origem natural no segmento aumenta de 8% a 25% a cada ano.

Já a consultoria Mintel observa um retorno ao básico — o back to basics — que é a adoção de um estilo que envolve que envolve o consumo de marcas com produção local. De acordo com o estudo, tal consumidor busca produtos que reflitam quem são e onde vivem — um comportamento que encontra sinergia com o discurso das marcas do setor, que propagam liberdade de escolha em vez de padrões de beleza.

Soma-se a esses fatores a demanda por praticidade — algo que pode ser percebido e atendido com maior rapidez por marcas nascidas no digital. “Vivemos em um mundo dinâmico, se a consumidora tiver que dar conta de todas as preocupações, isso traz ansiedade e dor, que não deveriam estar no colo dela. Temos um movimento para sermos uma escolha de bem-estar. Como indústria, temos uma visão contemporânea de sermos sustentáveis de uma forma gostosa”, comenta Pedro, da Riô.

Os produtos da Sallve começaram a ser formulados somente depois que a equipe fez uma série de pesquisas com consumidores. “O objetivo da Sallve é ser o espelho da comunidade que a gente tem, não é feita para ser superior às pessoas que consomem. A gente só existe se representar, de fato, a comunidade, o que muda o nível da conversa mesmo. Eles são a gente e vice-versa”, diz Julia. Com o conceito “Beleza do Amanhã”, a Riô também pauta a construção da marca sob a ótica da eficácia para garantir, de acordo com Pedro, praticidade, sustentabilidade e informação. Além do e-commerce, a marca também comercializa seus produtos na Sephora, considerada pela empresa como mais um canal de troca e construção de novos produtos.

Isabella Lessa

Olho na sociedade

Enquanto a indústria da beleza tem a possibilidade de adotar um discurso sobre não ser essencial na vida das pessoas, o setor de higiene, especificamente, tem pela frente desafios mais delicados. Alguns dos maiores players do segmento tendem a se envolver, cada vez mais, em funções sociais e no apoio ao desenvolvimento de comunidades ao redor do mundo.

Apesar de o acesso à higiene ser uma premissa básica à saúde humana, o fato é que, em países como o Brasil, ela ainda é uma realidade distante de algumas pessoas. É nessa hora que anunciantes passam a entrar como força efetiva em mudanças sociais, revertendo suas iniciativas em melhorias concretas para a população, seja proporcionando o acesso à água potável, ao saneamento básico ou até junto a questões fundamentais do universo feminino, como as ligadas ao período menstrual. Neste cenário, as marcas fortalecem seus posicionamentos e suas imagens, através de ações em diversas localidades pelo País.

A Kimberly Clark, por exemplo, tem como objetivo de sustentabilidade melhorar o bem-estar de 25 milhões de pessoas necessitadas no mundo até 2022, por meio de suas marcas. Um exemplo que ilustra esse trabalho é implementado com a marca Neve. “Segundo dados do Instituto Trata Brasil, de 2018, cerca de 100 milhões de pessoas no Brasil não possuem coleta de esgoto, o que representa quase metade da população brasileira. Dessas, 13 milhões são crianças e adolescentes, sendo que 3,1% delas não apresentam sequer um sanitário em casa”, destaca Patrícia Menezes, diretora de marketing de Neve.

Com isso em vista, a empresa aposta na plataforma Banheiros Mudam Vidas, cujo objetivo é melhorar as condições de higiene e saúde da população. A Kimberly-Clark trouxe a iniciativa para o Brasil em 2016 e, em 2017, através dela, selecionou um projeto para receber seu apoio. Ele envolve a criação de uma tecnologia de sanitário seco adaptada aos diversos climas e regiões do Brasil. “Já em 2019, estamos executando mais uma etapa do projeto, que busca impulsionar iniciativas de empreendedorismo social com foco no desenvolvimento de soluções na área de saneamento básico”, diz Patrícia.

Uma preocupação similar levou a Johnson & Johnson a assumir um papel em relação a um assunto que ainda é tabu para muitas mulheres: a menstruação. Através de sua marca de absorventes, Sempre Livre, a empresa iniciou, em 2018, a realização de diversas pesquisas cujos resultados mostraram que, em pleno século XXI, milhares de mulheres ainda sofrem com os tabus da menstruação, deixando de realizar tarefas diárias quando estão no período menstrual, e até evitando procurar ajuda profissional por terem vergonha de falar sobre o assunto.

“A marca entendeu a sua responsabilidade enquanto pioneira na categoria de absorventes descartáveis e criou o conceito ‘Sempre Juntas’, ajudando a construir conversas abertas e relevantes sobre menstruação”, conta Cristina Santiago, diretora de marketing das marcas de Essential Health na Johnson & Johnson Consumer Health Brasil. Para dar continuidade ao movimento, em 2019, se uniu à Plan International para prover recursos e doação de absorventes para a realização de projetos sociais no interior do Piauí e do Maranhão. De olho também na questão da sustentabilidade e inovação, a Sempre Livre já lançou a primeira linha de calcinhas absorventes, fruto de uma parceria com a marca Pantys, uma das pioneiras no desenvolvimento do tecido inteligente, cuja premissa primordial é ajudar a evitar o descarte de toneladas de absorventes anualmente.

Além do saneamento básico e da luta contra tabus, a questão da água também merece o olhar de um outro gigante do setor, a P&G. A empresa tem a cidadania como um de seus pilares e, neste viés, investe no programa Água Pura para Crianças, que já permitiu, desde 2014, a transformação de 15 bilhões de litros de água suja em potável, em âmbito global. No Brasil, o programa já atende a mais de 38 mil pessoas nas comunidades ribeirinhas do Amazonas, Vale do Jequitinhonha e comunidades no extremo sul da Bahia. “Todos os dias buscamos impactar positivamente nossos stakeholders, em cada área do nosso trabalho de cidadania. Queremos ser um bom cidadão do mundo e gerar um impacto positivo nas comunidades onde trabalhamos”, diz Valentina Menoni, gerente de comunicação corporativa da P&G Brasil.

Na visão de Mariana Cavesso, coordenadora de marketing de Seda, da Unilever, existem importantes motivos pelo quais as marcas precisam trabalhar propósito, além da venda de produtos. “O principal deles é que as marcas estão inseridas nos mais diversos contextos sociais e precisam ser um agente ativo no meio em que estão inseridos”, defende, citando que a Seda atua desde 2016 como projeto Plano de Menina. “Em 2019, lançamos a plataforma digital #JuntasArrasamos, cocriada com o Plano de Menina, para levar o conteúdo do projeto a um número maior de meninas. É sempre importante que as marcas que queiram trabalhar com propósito, tenham parceiros que estejam intrinsecamente conectados com a realidade que se pretende mudar”, coloca.

Cristina, da Johnson & Johnson, concorda, e lembra que os consumidores exigirão dar marcas cada dia mais uma atenção maior e contribuição a causas reais. “Essa tendência continuará crescendo. Nesse sentido, entendemos a importância de as empresas buscarem por parcerias que as ajudem a se adaptar a esse cenário”, fala. Esta atuação independe do setor, avalia Valentina, da P&G. “Todas as empresas devem ter uma atuação social e ambiental. Afinal, com o alcance que têm é fundamental que façam sua parte para, juntas, superarmos os maiores desafios do mundo”, defende.

Liberdade de escolha

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O especial Next, Now também possui um podcast sobre os segmentos da economia tratados na série. No episódio Higiene & Beleza, abordamos como a comunicação e a publicidade do setor de cosméticos vêm evoluindo de acordo com os atuais movimentos feministas e o crescimento da demanda da sociedade por mais inclusão e representatividade tanto no leque de produtos oferecidos como nas mensagens escolhidas para impactar os consumidores. Participam do debate Isabela Abbes, head de marketing da Quem Disse, Berenice? (do Grupo Boticário) e Annelize Conti, diretora de planejamento da Mutato para a conta de Avon. O episódio já está disponível nas plataformas Apple Podcasts, Deezer, Google Podcast e Spotify.

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