Por: Igor Ribeiro, Karina Balan Julio, Renato Rogenski e Taís Farias

Entre as citações preferidas de gurus da inovação, está uma atribuída a Henry Ford: “Se tivesse perguntado o que as pessoas queriam, teriam dito cavalos mais velozes”. Mas a autoria da frase é muito questionada e há indícios de que os próprios gurus da inovação a inventaram — não se encontraram registros dessa fala em artigos e textos da época e mesmo o Museu Henry Ford não a reconhece oficialmente. A revisão desse sofisma pode fazer bem à memória do inventor da linha de montagem automotiva. Primeiro porque algumas das melhores soluções atuais surgem, justamente, da ideia de colocar o consumidor no centro do pensamento inovador. Segundo porque, se ele perguntasse hoje, muitas pessoas diriam que já não ligam mais para carros (talvez algumas até preferissem voltar
aos cavalos).

Economia compartilhada, cultura do acesso, mobilidade-como-serviço: são vários os nomes que se referem a uma ideia crescente em diversos centros urbanos que têm balançado as estruturas do segmento automotivo. Segundo o estudo “The Sharing Economy”, da PwC, a receita gerada globalmente de cinco setores da economia compartilhada (mobilidade, hospedagem, streaming de conteúdo, financiamento P2P e profissionais sob demanda) era de US$ 15 bilhões em 2013 e a expectativa é que esse mesmo grupo chegue a US$ 335 bilhões até 2025: um crescimento de 2.133% em 12 anos.

LUCIANA_2_840X480
“Desvincular a mobilidade das pessoas da propriedade de um carro será crucial para oferecer uma alternativa”, diz Luciana Ceccato, head de marketing do Uber no Brasil.

Apesar de ser uma empresa de patrimônio baixíssimo, não fabricar carros nem dar lucro, a Uber tem valor de mercado (cerca de US$ 54 bilhões) maior que muitas empresas tradicionais do setor automotivo, como Honda, Renault e a própria Ford. Uma pesquisa de agosto deste ano, realizada pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), aponta que o tipo de serviço mais compartilhado no País são caronas: 41% dos entrevistados usam ou já usaram. Também mostra que aumentou, na comparação com o ano passado, de 68% para 81% a porcentagem de brasileiros dispostos a adotar mais práticas de consumo colaborativo no dia a dia.

“O carro era o bem mais aspiracional para o jovem em qualquer mercado, tanto nos desenvolvidos como em desenvolvimento, como Brasil, China e Índia. Hoje, essa história é diferente”, afirma Hermann Mahnke, diretor de marketing da GM para o Mercosul. “Não é que ninguém mais quer carro, mas mudou a maneira como nos relacionamos com ele”. Como mostra o estudo do SPC, o carro particular é só o principal símbolo de um comportamento de preferência crescente ao acesso em vez da posse. O TGI da Kantar Ibope Media mostra que, em 2003, 24% dos brasileiros queriam comprar um carro novo e, em 2019, isso caiu para 7%.

Apesar de crescer em várias faixas, é um comportamento especialmente presente entre os consumidores com menos de 35 anos que vivem em regiões urbanizadas. “Para um jovem assim, carros são caixas com rodas, ele nem se importa com a marca, só quer chegar ao seu destino e, de preferência, enquanto digita no WhatsApp”, diz Sylvio de Barros, fundador da zFlow. Ex-GM, Sylvio fez história na internet ao criar a Webmotors em 1995. Em 2007, ajudou a reposicionar o iCarros, que antes não tinha envolvimento do Itaú. Fundou, em 2016, a zFlow, uma fintech automotiva. Apesar da experiência com o varejo digital do setor, o executivo não nega a tendência: “Para esse consumidor, o carro não existe mais, foi desintegrado e, em algum momento, ele vai prescindir também do motorista. Isso não é tecnológico nem regulatório, mas cultural”.

“O modelo de aquisição de clientes mudou e as montadoras têm competido indiretamente com outros segmentos”, diz Rodrigo Stanger, vice-presidente de consultoria para a indústria automotiva na IBM América Latina, que atende a empresas automotivas. As fabricantes observam o movimento e muitas já se reposicionam como players de mobilidade e tecnologia, desenvolvendo produtos e serviços independentes da venda de carros. A Toyota é uma das primeiras a lançar no Brasil um serviço de aluguel de veículos, modelo já praticado por empresas como Citröen e BMW no exterior. Desde setembro, por meio do aplicativo Toyota Mobility Services, consumidores podem reservar veículos da marca e retirar nas concessionárias — 20 já participam e o objetivo é chegar a mais 50 pontos até o ano que vem.

Luciana, da Uber: além de carro autônomo, empresa tem pesquisado integração no app com transporte público e micromodais e até veículos voadores
Luciana, da Uber: além de carro autônomo, empresa tem pesquisado integração no app com transporte público e micromodais e até veículos voadores

Apesar de opções como táxi e transporte público, o problema da mobilidade se acentuou nos últimos anos conforme piorou o trânsito. O carro compartilhado floresceu nesse contexto e a primeira empresa a escalar globalmente essa proposta de valor foi a Uber, que chegou no Brasil em 2014. “Desvincular a mobilidade das pessoas da propriedade de um carro será crucial para oferecer uma alternativa”, diz Luciana Ceccato, head de marketing da plataforma no País. “Ao lado de especialistas, acreditamos que o futuro da mobilidade urbana será compartilhado em vários modos: centrado no transporte público e complementado por bicicletas compartilhadas, serviços sob demanda como Uber, assim como outras soluções que ainda vão surgir”, afirma a executiva.

NOW

• CULTURA DO COMPARTILHAMENTO DE CARROS

• TRÁFEGO MULTIMODAL, COM AUTOMÓVEIS, TRANSPORTE PÚBLICO E MICROMOBILIDADE

• VEÍCULOS ELÉTRICOS, HÍBRIDOS E MOVIDOS
A BIOCOMBUSTÍVEL

• SEGURANÇA TECNOLÓGICA NO DESTRAVAMENTO DO VEÍCULO

• PNEUS QUE “NÃO FURAM”

• CONECTIVIDADE NO CARRO, COM SERVIÇOS INTEGRADOS AO SMARTPHONE

• SMART CONCIERGE, COM DICAS DE LUGARES E SUPORTE EM CASO DE ACIDENTE

• ASSISTENTE DE ESTACIONAMENTO AUTOMÁTICO

NEXT

• CARROS E TRANSPORTES PÚBLICOS AUTÔNOMOS

• VEÍCULOS QUE APRENDEM COM O MOTORISTA E DETECTAM SUAS PREFERÊNCIAS

• CARREGAMENTO E ANÁLISE DE DADOS EM TEMPO REAL, COM CARROS CONECTADOS NA NUVEM

• AUTOMÓVEIS MOVIDOS A CÉLULA DE HIDROGÊNIO

• CIDADES E CARROS CONECTADOS NA MALHA ELÉTRICA

• CARROS QUE SE CONVERTEM EM TRANSPORTE AÉREO

Concorrência  com smartphone

Assim como se mostrou um mercado valioso para a Uber, outras startups de compartilhamento têm vindo ao Brasil. A francesa BlaBlaCar, por exemplo, conecta usuários a motoristas dispostos a dar carona em direção a destinos mais distantes. Hoje, a empresa tem cinco milhões de cadastrados no Brasil, país onde mais cresce (e terceiro mais importante para a companhia). “A recepção ao conceito da carona tem sido muito boa”, conta Ricardo Leite, diretor-geral da BlaBlaCar no País, acrescentando que a empresa vem tentando avançar na relação com instituições do governo para promover a cultura da carona. “Um dos nossos desafios é criar políticas de incentivo.

Maurício, da Tembici: durante greves, empresa tem realizado campanhas oferecendo bikes com desconto ou de graça, gerando 50% de aumento na utilização
Maurício, da Tembici: durante greves, empresa tem realizado campanhas oferecendo bikes com desconto ou de graça, gerando 50% de aumento na utilização

Em alguns mercados, por exemplo, estacionamentos têm vagas reservadas para motoristas que levam mais pessoas no carro, além de faixas exclusivas na estrada para quem oferece caronas e incentivos fiscais”, acrescenta. “O paulistano gasta, em média, duas horas e 40 minutos no trânsito e todo mundo busca soluções para que o mercado se desenvolva”, diz Maurício Villar, COO da Tembici. “Num raio de até sete quilômetros, a bicicleta é o meio de transporte mais eficiente possível em termos de velocidade, custo, benefício. Mais de 80% dos deslocamentos em São Paulo são de até seis quilômetros.” A empresa de bikes compartilhadas é fruto de um piloto que realizou com colegas dentro da USP e tem, hoje, mais de 8 mil bicicletas no Brasil, em 15 cidades, além de Buenos Aires e Santiago. Em boa parte dessa frota, é fornecedora do projeto Bike Itaú.

A atuação de empresas como a Tembici na complementariedade multimodal — conectando carro particular, metrô, ônibus, bicicletas e, mais recentemente, patinetes — é outro fator de disrupção no tradicional mercado automotivo. Agora, a empresa testa 20 bikes elétricas e Maurício acredita que a consolidação desse modelo também deve ser impactante. “Estamos testando muito e pode ser um próximo transformador nessa conexão.”

A eletricidade é um forte vetor de mudança em diversas partes da cadeia. Outra startup a testar o conceito é a brasileira Gaia Eletric Motors, do empreendedor Ivan Gorski. Ele e um time de engenheiros criaram um veículo elétrico para duas pessoas e com 200 quilômetros de autonomia, podendo ser carregado em oito horas e com desbloqueio via smartphone. Ainda em protótipo, tem preço sugerido a R$ 60 mil e já conta com 260 pré-reservas, mas Ivan também planeja um modelo de acesso via assinatura. Ele não tem dúvidas sobre o público-alvo do veículo: jovens, com consciência ambiental e que consomem serviços de compartilhamento. “É impossível para um estagiário comprar um carro, por exemplo”, diz Ivan.

Inspirado no modelo de serviços de compartilhamento de carros elétricos dos EUA e Europa como Car to Go, Drive Now e We Share, Fábio Fagionato reuniu sócios e investidores e criou a Beepbeep. Para o CEO, o consumidor tem guiado essas transformações e deverá continuar assim: “A tecnologia fornece o cardápio para ele se movimentar a depender do tempo, do clima, se quer dirigir, trabalhar no trajeto, se está sozinho ou acompanhado. Quem vai oferecer os melhores serviços e qual aplicativo vai reunir isso ainda está em aberto”. Hermann, da GM, concorda que deverá haver uma consolidação das ferramentas que resolverão, futuramente, uma variedade de problemas. “Procuramos soluções no entorno da conectividade. Na prática, a referência não é o que meu concorrente está fazendo, mas sim o que há no smartphone do consumidor”, afirma.

Nesse sentido, startups podem ser concorrentes ou aliadas. O projeto de compartilhamento da Toyota, por exemplo, é uma evolução da parceria com a plataforma Moobie. “Para nós, é interessante entender como funcionam essas empresas, que são completamente diferentes de gigantes centenárias. Esse tipo de parceria nos traz mais agilidade e flexibilidade”, avalia Roger Armellini, gerente-geral de mobilidade e transformação de negócio da Toyota para América Latina e Caribe.

Onda elétrica

Junto ao problema do trânsito, transportes são a segunda maior fonte de emissão de dióxido de carbono, a principal causa do aquecimento global. Essa indústria centenária tem, portanto, uma enorme omissão ambiental. Esse problema tem catalisado outra grande inovação no setor: os carros elétricos. Realidade crescente na Europa e nos Estados Unidos, mas ainda longe do desenvolvimento no Brasil.

Os lançamentos locais começaram mais recentemente. A BMW foi uma das primeiras a vender carros totalmente elétricos no Brasil, com os modelos i3 e i8. Até 2021, quer dobrar a venda desses veículos localmente, prometendo ter cinco modelos totalmente elétricos em seu portfólio. Alguns dos elétricos mais vendidos no exterior desembarcaram no País há pouco tempo, como o Zoe, da Renault, lançado no final de 2018, e o Leaf, da Nissan, em julho. A Chevrolet, líder de vendas no mercado brasileiro, lança neste mês o Bolt, totalmente elétrico.

Em parceria com a Ipiranga e a empresa de energia EDP, a BMW tem implementado pontos de recarga elétrica em rodovias brasileiras
Em parceria com a Ipiranga e a empresa de energia EDP, a BMW tem implementado pontos de recarga elétrica em rodovias brasileiras

O preço, no entanto, ainda é o maior entrave, já que o valor de um elétrico é consideravelmente superior ao de um veículo a combustão. Para se ter ideia, o modelo 100% elétrico mais barato vendido atualmente no País é o JAC iEV20, da Jac Motors, por R$ 119 mil.

Executivo da Bright Consulting especializado no setor automotivo, Cassio Pagliarini aponta que um modelo elétrico ou híbrido é quase três vezes mais caro do que o de um automóvel convencional similar da mesma marca. Os híbridos, acredita ele, devem ser impulsionados pelos biocombustíveis. “O Brasil tem condições de fazer um veículo híbrido melhor do que qualquer outro país”, aposta o consultor. Até porque o Brasil tem referência internacional no desenvolvimento do etanol de cana-de-açúcar e isso criou uma cadeia ao redor do produto (veja o quadro “Pioneirismo brasileiro”). A verdade é que a energia gerada por combustão ainda tem um enorme mercado no Brasil, o que inclui não só fábricas de carros, mas também refinarias, distribuidoras, postos de serviço e venda de autopeças. Um sistema que, a despeito das mudanças de comportamento nos centros urbanos e do passivo ambiental, é visto com enorme potencial de crescimento. E que seria completamente impactado na mudança da matriz para a energia elétrica, gerando grande resistência. “Empresas estão lançando carros elétricos mais como uma estratégia de posicionamento do que necessariamente para ganhar escala, porque não têm como objetivo vender grandes volumes”, avalia Rodrigo, da IBM.

Em 2018, havia 11 mil unidades de elétricos no Brasil, representando 0,025% da frota nacional, de acordo com o sindicato de fabricantes de peças (Sindipeças). A expectativa é de que essa participação suba para 5% até 2030, com vendas de 180 mil unidades, segundo a previsão do Boston Consulting Group (BCG). Para ajudar, também há o Rota 2030, programa anunciado pelo governo federal no ano passado que, entre outras iniciativas, diminui a alíquota do IPI para carros elétricos e híbridos.

Natan: aplicativo Ford Pass aponta a dono do carro melhor trajeto, postos no caminho e terá, no futuro, sugestões de conexão com transportes públicos
Natan: aplicativo Ford Pass aponta a dono do carro melhor trajeto, postos no caminho e terá, no futuro, sugestões de conexão com transportes públicos

As montadoras, por outro lado, têm se responsabilizado também pela implementação de infraestrutura para a atender ao segmento. A BMW, por exemplo, tem atuado na implementação de corredores elétricos — trechos com pontos de recarga — em algumas rodovias, em parceria com a Ipiranga e a empresa de energia EDP. A montadora também vem instalando postos em supermercados e shoppings. “Nossa ideia é democratizar a tecnologia e desenhar a infraestrutura que possibilitará essa conveniência, mesmo que os consumidores não usem carros da BMW”, diz Roberto Carvalho, diretor de vendas e marketing da BMW no Brasil. A montadora já implementou mais de 110 postos de recarga pelo Brasil, número que deve chegar a 150 até o final do ano. Apesar de não ter previsão para trazer ao Brasil modelos elétricos do Territory ou do Escape, a Ford também planeja investimentos de modo que a falta de uma malha viária eletrificada não seja um problema futuro. “Vamos fornecer certa infraestrutura para os clientes se prepararem em suas residências”, diz Natan Vieira, vice-presidente de marketing da fabricante, acrescentando que esse desenvolvimento é muito dependente do diálogo com esferas públicas.

A Honda também tem procurado expandir seu impacto ambiental para além da linha de montagem. Em 2014, a multinacional japonesa inaugurou um parque eólico no Rio Grande do Sul, capaz de suprir a demanda de energia de sua fábrica e seus escritórios. Nos cinco anos de existência, o parque evitou a emissão de 26 mil toneladas de CO2, produzindo mais de 500 mil automóveis com energia limpa e renovável. Para Marcos Bento, diretor de comunicação e jurídico da Honda, mais do que manter uma empresa energeticamente eficiente, a ideia é prepará-la para o futuro: “O direcionamento de negócio da Honda no século 21 é ser uma empresa cuja existência seja desejada pela sociedade.”

Pioneirismo brasileiro

Se, hoje, a realidade das cidades e as mudanças no comportamento do consumidor dão novos contornos para as soluções em automóveis, a busca por alternativas que reduzam o impacto ambiental do setor não é recente. O Brasil é pioneiro no desenvolvimento e aplicação de biocombustíveis, substâncias derivadas de biomassa renovável que podem substituir, total ou parcialmente, combustíveis derivados de petróleo e gás natural. O início do País na produção desses recursos se deu pouco depois da primeira grande crise do petróleo, em 1973, quando o governo federal lançou o programa Pró-Álcool, que pretendia desenvolver o etanol para poupar o Brasil de novas crises. O projeto só passou a ter efeitos reais em meados de 1979, quando o Ministério da Indústria e Comércio e a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) assinaram o documento que viabilizou a produção de carros à álcool.

O biodiesel é o segundo principal biocombustível do País. Sua mistura ao diesel fóssil começou a ser comercializada em caráter experimental em 2004. Quatro anos depois, a mistura no teor de 2% se tornou obrigatória em todo território nacional. Com o amadurecimento do mercado, esse percentual foi crescendo até atingir os 10% obrigatórios válidos desde 2018. Atualmente, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), 45% da energia e 18% dos combustíveis consumidos no Brasil já são renováveis. A riqueza de matérias-
primas oferecidas pelo Brasil possibilita que novas soluções sejam testadas e outras ganhem escala, como geradores de biogás e hidrelétricas.

Para além da pesquisa em inovação e políticas de incentivo, a aplicação de soluções sustentáveis também depende da adesão de fabricantes. A sueca Scania é uma das principais fabricantes de caminhões pesados, ônibus, motores industriais e marítimos, produtos que costumam ter alto impacto na emissão de poluentes. Justamente por isso, a empresa resolveu focar em atacar o problema, relata Patricia Acioli, responsável por corporate relations na Scania Latin America: “Hoje, o negócio da Scania é sustentabilidade”. A fabricante se baseou nos pilares de conectividade, combustíveis sustentáveis e eletrificação para criar uma estratégia de negócio que remodelou seus produtos, com o desenvolvimento e fabricação de veículos movidos por  combustíveis alternativos que vão do etanol até o biogás, com vários desses modelos em seu portfólio.

Em 2016, a empresa trouxe para o Brasil o Scania Logistics Lab, um laboratório que testa soluções tecnológicas e logísticas para tornar o transporte de cargas mais sustentável. A rota escolhida para o experimento foi o trajeto entre o Porto de Santos, o centro logístico em Mauá e a planta em São Bernardo do Campo, todos em São Paulo. Nos últimos três anos, o projeto conseguiu reduzir 39% das emissões de CO2. A mensuração de dados como controle do abastecimento, tempo de serviço, quilometragem percorrida e manutenção auxiliou no desenvolvimento de estratégias e até em treinamento de motoristas para adotarem uma condução mais “eco-friendly”. Além disso, foram testados cerca de 18 caminhões com melhor eficiência energética. Com foco no mercado B2B, parte do trabalho da empresa é fazer a transferência dessa cultura de sustentabilidade para seus stakeholders. “Temos que mostrar para os parceiros que a conta fecha”, afirma Patrícia.

Bom dia, carro

Em termos de produto, a Honda também investe em inovação. A empresa trabalha nos modelos Clarity Fuel Cell, movido a célula de hidrogênio, e no Novo Veículo Elétrico Urbano (NeuV). Com sistemas de machine learning, o veículo elétrico é autônomo e pode funcionar como um assistente pessoal para os motoristas, criando novas possibilidades de interação homem-máquina. A ideia é que o carro aprenda a detectar as emoções do motorista e, com base no histórico de decisões, faça recomendações que possam auxiliar na rotina do usuário.

“Hoje, o negócio da Scania é sustentabilidade. A fabricante se baseou nos pilares de conectividade, combustíveis sustentáveis e eletrificação para criar uma estratégia de negócio que remodelou seus produtos” -Patricia Acioli, gerente executiva da Scania Latin America

Tecnologias de alto processamento de dados como inteligência artificial e sensores de resposta imediata, indispensáveis em carros autônomos, dependem do desenvolvimento da conectividade 5G. “O futuro vai muito além da eletrificação”, diz Hermann, da GM. “Teremos um carro com upload e download de dados conforme você dirige, que conhece seu comportamento no volante, sabe a hora da revisão, tem soluções de seguro customizadas, produtos e serviços baseados nos seus hábitos.”

“Algumas montadoras já apostam em conectividade embarcada de forma nativa, mas ainda é algo raro em carros populares. Além disso, um carro conectado precisa ter não só sensores, mas uma rede segura para armazenar dados em nuvem”, argumenta Rodrigo. Um dos projetos da IBM com inteligência artificial, por exemplo, foi o Manual Cognitivo realizado para a Volkswagen, um aplicativo que combina voz, imagens e texto para orientar o usuário sobre as funcionalidades do carro. A evolução de carros conectados, segundo ele, também vai depender da capacidade das montadoras em tecer relações com empresas de outros segmentos, como seguradoras, empresas de telecomunicação e desenvolvedoras de softwares.

A Volkswagen tem investido inclusive em parceria com empresas do próprio segmento. A fabricante anunciou o aporte de US$ 2,6 bilhões na startup de carros autônomos Argo AI, que já havia recebido US$ 1 bilhão da Ford. O investimento é parte de um grande projeto conjunto de ambas as fabricantes em torno de soluções para veículos autônomos. “Tem coisas que só se consegue por meio de parceria, são processos que ganham em escala e tempo, pois o custo de desenvolvimento para esse segmento é altíssimo. A parceria na Argo é um anúncio gigantesco que vai beneficiar todo mundo”, afirma Natan.

A Toyota também vem desenvolvendo diversos projetos de automação, inclusive com o uso de robôs para mobilidade individual dentro e fora de casa. “O Japão já vê sua população envelhecer, e cada vez mais haverá menos pessoas para cuidar da população idosa no mundo, então estamos desenvolvendo esses robôs para ajudar na mobilidade”, exemplifica Roger Armellini. Durante as Olimpíadas de Tóquio, em 2020, a marca utilizará robôs para transportar pessoas até seus assentos nos estádios, além de carros autônomos para levar atletas aos locais de torneios.

Publicidade na ponta

Se o mercado automotivo brasileiro ainda não replica com a mesma intensidade tudo que está sendo incorporado em termos de tecnologia nos países mais desenvolvidos, não se pode dizer o mesmo da publicidade. As agências que trabalham para as principais marcas automotivas já utilizam diversas ferramentas de dados e tecnologia para produzir uma comunicação alinhada com os novos tempos.

Para Vico Benevides, general manager Brasil e ECD Latam da GTB, house agency da Ford, as marcas estão olhando para a jornada completa: awareness, intenção de compra, pesquisa online, visita a concessionárias, conversão, pós-venda e recompra. Em sua visão, é papel das agências ajudarem os fabricante a entenderem os novos comportamentos do consumidor em relação aos automóveis, que passaram a ter outro tipo de relação com as pessoas. Além de conforto e segurança, os clientes esperam comodidade e conectividade, além de iniciativas de responsabilidade social.

Um dos produtos desenvolvidos nesse sentido é o Tapete da Acessibilidade, iniciativa que transformou o tapete do porta-malas do carro EcoSport em uma rampa portátil, capaz de ajudar cadeirantes em lugares de difícil acessibilidade. Criado pela GTB, o item rendeu diversos prêmios para a agência e o anunciante, incluindo 4 Leões no Cannes Lions 2019 (1 Prata e 3 Bronzes) e o GP de Brand Experience & Activation no Wave Festival, também neste ano. “Há dois anos, a GTB Brasil se remodelou estruturalmente com base em três pilares: comunicação, tecnologia e consultoria. Isso significou uma mudança de operação para um parceiro de negócios como a Ford. Começamos a desenvolver trabalhos para diferentes áreas da companhia, que vão muito além da comunicação”, explica Vico.

Douglas Bocalão é COO da Ampfy, agência que cuida da conta de Mitsubishi, e também enxerga mudança acelerada do setor devido ao crescimento de outros modais de transporte, decorrente dos problemas de tráfego e da poluição ambiental. Fabricantes tem procurado soluções mais inteligentes em diversos quesitos, como consumo de energia, infotainment, segurança, conectividade e manutenção, ressignificando o uso do carro. “Isso tem agradado as pessoas, que voltaram a confiar nas montadoras”, afirma Douglas. Para trabalhar a Mitsubishi, a agência tem amplo conhecimento da operação da marca no Brasil e a comunicação é totalmente orientada por dados. Nesse contexto, o executivo também fala da importância desse histórico de informação dos clientes. “Estamos passando pela fase da transformação do CRM, um fenômeno que não é restrito ao setor automotivo. Tão importante quanto a conquista de novos consumidores é a fidelização dos atuais. A jornada entre pesquisa e compra de um automóvel é longa, o que faz com que o consumidor seja impactado diversas vezes por inúmeros concorrentes”, defende.

Detentora da conta de Volkswagen desde 1956, em um dos mais longevos casamentos entre agência e anunciante no Brasil, a AlmapBBDO acompanha em tempo real as interações do consumidor e, a partir desses dados, gera insights para o desenvolvimento de soluções de comunicação para as mais diversas plataformas. “O principal objetivo é entender em que momento e de que forma interagir com o público buscando participar da conversa e ser relevante na hora de comunicar os produtos e serviços da Volkswagen”, explica Christiano Bock, diretor de atendimento da AlmapBBDO. Do ponto de vista de formatos, a tecnologia e o ambiente digital se aliam a outras formas mais convencionais de publicidade. Dois casos recentes apontam nessa direção, lembra Christiano. Um é o lançamento de T-Cross, que contou com websérie de ficção e filmes com grande produção e animação gráfica. O outro é o lançamento do Jetta GLI, com projeto de branded content que colocou o narrador Galvão Bueno para dirigir o modelo por meio de crossmedia com TV aberta, a cabo, hub digital e redes sociais.

Mais do que falar o que a indústria oferece, a comunicação passa a antecipar, gradativamente, o que as pessoas buscam como experiências de vida, diz Hugo Rodrigues, chairman e CEO da WMcCann, que atende à Chevrolet. Para ele, mais do que ressaltar um produto em termos de diferenciais e ofertas, o mercado passou a entender o papel de cada carro na vida das pessoas. “Isso gera muitas reações, positivas e negativas.
E a indústria precisa estar disposta a mudar de uma postura
menos neutra para mais ativa, relevante e, consequentemente, passível de críticas”.

Sobre os ganhos que a tecnologia trouxe para a comunicação no segmento automotivo, Hugo observa como o trabalho de social listening pode ser fundamental não apenas para balizar o trabalho criativo, como também para ajudar seus clientes em insights de negócios que sejam capazes de mover os ponteiros do cliente. “Temos muita gente focada em dados, ‘ouvindo’ as pessoas, o mercado e o País para municiar não apenas outras áreas da agência, mas também a própria Chevrolet com análises, tendências e realidades”, diz.

Para ouvir no carro (na bike, no metrô…)

Nicolas-Habib-(JAC-Motors)-e-Rodrigo-Stanger_423x264

O especial Next, Now também possui um podcast sobre os diversos segmentos abordados na série. No episódio Carros, analisamos as inovações e tecnologias que têm impactado a mobilidade e os fabricantes de automóveis. Mobility-as-a-Service, transformação digital, veículos elétricos, carros autônomos e até drones para transporte pessoal estão na conversa. Participam Nicolas Habib, general manager da JAC Motors no Brasil, e Rodrigo Stanger, vice-presidente de consultoria para a indústria automotiva na IBM América Latina. O episódio já está disponível nas plataformas Apple Podcasts, Deezer, Google Podcast e Spotify.

Publicidade